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MEMÓRIA
Rauschenberg prolongou a percepção do mundo real
Expoente das artes plásticas no pós-2ª Guerra, americano participou de quatro bienais de SP e triunfou com trabalhos que explodiram o suporte físico da tela
NELSON AGUILAR
ESPECIAL PARA A FOLHA
Robert Rauschenberg
vem a São Paulo em
1967 para compor a comitiva da representação americana da 9ª Bienal. Ocupa a entrada do pavilhão uma tela sua imensa, cujo título, "Barcaça",
indica o veículo de transporte
fluvial que carrega cubo vazio,
edifício, nuvens, guarda-chuva
(ou pára-sol), jogadores de rúgbi (ou beisebol), nadadores, cebolão, caminhão, Vênus, radar,
fábricas, bomba, cubo na penumbra, pássaros numa gaiola
sombria, homem só, chave.
Essa enumeração borgeana,
processada pelo poeta francês
Alain Jouffroy sob o impacto da
obra, testemunha a imensa rede que o pintor lança em torno
da civilização norte-americana
e exibe em seu painel.
Um homem alto, comunicativo, que queria conhecer as
pessoas, completamente esquecido de ser o detentor da
premiação máxima da Bienal
de Veneza de 1964, o responsável pela capitulação artística da
Europa diante dos Estados
Unidos.
Também há "Buffalo II", laureado na mostra da Sereníssima, com a imagem de Kennedy
que, na época, ainda conota a
violência com que havia sido
eliminado. A sucessão de serigrafias impressas, a desconexão das imagens e a veemência
das pinceladas anunciam o
triunfo completo do "ready-maker", que vira a folha da arte.
"Não quero que uma pintura se
assemelhe com o que não é.
Quero que se assemelhe com o
que é. E penso que uma pintura
é como o mundo real quando
prolonga o mundo real."
Pinturas conglomeradas
A partir de 1955, começa a integrar não só imagens reais,
mas objetos em suas colagens,
inventando o que chamaria de
pinturas conglomeradas. Assim, explode o suporte físico da
tela, criando um espaço que seria mais tarde o das instalações.
A 22ª Bienal, em 1994, convida-o por reconhecer o pioneirismo de seu trabalho. Não se
conseguiu convencer o artista a
vir, mesmo com passagens de
primeira classe reservadas a ele
e ao companheiro. O objetivo
da mostra é tratar a expansão
do suporte na arte contemporânea, por meio de convidados
como Broodthaers, Chamberlain, Clark, Fontana, Kirkeby,
Long, Oiticica, Schendel, Soto e
de representantes de seus países, como Anselmo, Cabrita
Reis, Cemin, Chadwick, Kcho,
Richter e Tunga, entre outros.
Artista do acaso
Rauschenberg foi permeado
pela abertura ao espírito oriental, pela valorização do acaso
presente na poética musical de
seu amigo John Cage. Um diálogo significativo acontece
quando vai ao ateliê de William
de Kooning pedir um desenho
para ser apagado, em 1953. De
Kooning escolhe um particularmente difícil. Rauschenberg
gasta três semanas para apagá-lo, consumindo 15 borrachas de
diferentes tipos.
No envio à Bienal de 94, a roda predomina em grande parte
das peças, dando uma sensação
de mobilidade e velocidade aos
objetos. As pás de um moinho
de vento movido a eletricidade
dão a impressão de um imenso
mandala industrial. As cadeiras
embutidas nessas construções
permanecem como pausas para a contemplação num mundo
extremamente intricado, caótico e fascinante, percorrido por
um ventilador alado ou pelo
Pégaso da Móbil.
Rauschenberg deixa boa parte do universo artístico órfão.
NELSON AGUILAR é professor de história da arte da Unicamp; foi curador-geral da 22ª (1994) e
da 23ª (1996) Bienal de São Paulo e da quarta
Bienal do Mercosul (2003)
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