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Mostra retrata monumentos decadentes
"Relíquias e Ruínas", no Sesc Paulista, traz fotos e vídeos que registram construções e cidades abandonadas
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Os moradores de um conjunto habitacional em Taipé mudaram as fachadas, varandas e
escadas de 11 prédios idênticos,
colados um no outro. Não aparecem nas fotografias, mas tudo ali se deve a essa presença
humana que torce e distorce o
concreto armado.
Mauro Restiffe documenta o
embate e traz as imagens de
Taiwan para uma exposição no
Brasil. O mesmo acontece em
Berlim, com obras que substituem o passado registradas pela lente de Frank Thiel.
O passado que sobrevive no
presente -seja preservado ou
como testamento da destruição- em fábricas desativadas,
marcos arquitetônicos e paisagens ameaçadas é tema da coletiva que o Sesc Paulista abre
hoje, reunindo o trabalho de 12
artistas: fotografias, vídeos e
uma instalação sonora.
Com retratos do mundo em
transição, a mostra "Relíquias e
Ruínas", que já passou pelo Rio
e agora chega a São Paulo, eleva
a decadência à condição de monumento, encontrando seu
combustível na melancolia: todas, na beleza ou na feiúra, deixam só o silêncio como resíduo.
É também uma reunião de
bons exemplares dessa arte que
parte em viagem para registrar
lugares e situações, mais calcada no documental e pouco afeiçoada a conceitos mais densos.
"O mais difícil é mostrar o
óbvio de uma forma óbvia", diz
Caio Reisewitz, que participa
da mostra com imagens da cidade histórica de Cartagena, na
Colômbia, e retratos da construção do Sesc Belenzinho, na
capital paulista. "Não quero
uma intervenção ou perspectiva emocionante; quero deixar o
objeto falar por si só."
Pouco além disso pode ser dito das imagens que o alemão
Hans-Christian Schink faz nas
ruínas incas de Machu Picchu,
ou dos templos destroçados no
Camboja. São belas, nada mais.
Restiffe reconhece que algo
parece faltar nessa espécie de
diário visual com pouca intervenção. "A forma que encontro
para fugir do documental é fugir das particularidades, pegar
algo que a princípio é banal para ir além do banal."
Decadência viva
Dessa banalidade enganosa
surge um dos poucos trabalhos
capazes de romper com o marasmo da mostra. As escadas
em espiral, alterando o curso
com as intervenções dos moradores, são testemunho de uma
decadência contemporânea, viva, à diferença das ruínas abandonadas dos demais retratos.
A mesma sensação de transformação subcutânea, à revelia
do lugar, surge nas imagens de
Reisewitz em São Paulo, bem
menos cruas do que aparentam. No antigo reduto industrial da Mooca, sobram só as
paredes dos galpões, que agora
dão lugar a outros tipos de
construção para novos tipos de
vida. "Você pode interpretar
uma ruína como relíquia e uma
relíquia como ruína."
É nessa encruzilhada que a
artista afegã Lida Abdul, que
participou da última Bienal de
São Paulo, ergue seu discurso,
emparelhando, nos dois vídeos
que apresenta, as noções de
construção e destruição, rituais
que viraram rotina em seu país
alquebrado pela guerra.
Em "Brick Sellers of Kabul",
meninos empilham tijolos sob
o olhar de um homem mais velho, que lhes dá moedas como
pagamento. Fica evidente que
as pedras aqui foram pilhadas
de construções demolidas e
agora ganham nova forma.
O segundo vídeo, "Clapping
with Stones", relembra as estátuas de budas explodidas pelos
talibãs no deserto de Bamyian,
onde sobraram só pedras.
RELÍQUIAS E RUÍNAS
Quando: abertura hoje, às 20h; de
ter. a sex., das 11h às 21h; sáb. e
dom., das 11h às 20h; até 13/7
Onde: Sesc Paulista (av. Paulista,
119, tel. 0/xx/11/3179-3700)
Quanto: entrada franca
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