São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2008

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Festival de Cannes aplaude Meirelles

De pé e voltada para equipe, platéia da sessão de gala do filme "Ensaio sobre a Cegueira" aclama filme durante 5 minutos

"Acho que esse não é um bom filme para abrir o festival", diz Fernando Meirelles; projeção para a imprensa não empolgou

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

Poucas horas antes da sessão de gala de seu "Ensaio sobre a Cegueira", que inaugurou ontem o 61º Festival de Cannes, em competição pela Palma de Ouro, o cineasta brasileiro Fernando Meirelles dizia: "Ainda acho que esse não é um bom filme para abrir o festival", dada sua história pesadamente dramática.
O tempo provou que Meirelles não tinha razão. Quando terminou a projeção de "Ensaio..." no Palácio dos Festivais, às 22h11 (17h11, no horário de Brasília), a platéia toda se pôs de pé e, nos cinco minutos seguintes, aplaudiu, voltada para Meirelles e sua equipe.
Foi a segunda vez na noite que o diretor recebeu aplausos de pé dos convidados internacionais do festival, como as atrizes Cate Blanchett, Faye Dunaway e Eva Longoria, que dividiam a platéia com boa parte do quem é quem do cinema francês.
A primeira ovação ocorreu quando o diretor chegou para a cerimônia de abertura, e sua presença foi anunciada pelo cerimonial, com a frase: "Senhoras e senhores, Fernando Meirelles". Entre uma e outra salva de palmas ao brasileiro, viu-se uma celebração ao cinema, em tom favorável aos autores que mantêm suas carreiras distantes do epicentro mercadológico da indústria (Hollywood), e seus filmes livres de ditames estéticos.

"Cartas de amor"
"O Festival de Cannes sempre seleciona grandes filmes. Vamos mandar cartas de amor a alguns deles, com o aviso aos distribuidores de que não são confidenciais", disse o ator e diretor norte-americano Sean Penn, que preside o júri desta edição. Em entrevista pela manhã, Penn ressaltara a pretensão de fazer com que os prêmios a serem concedidos por seu júri, no próximo dia 25, ajudem os filmes a "encontrar o seu público".
O ator francês Édouard Baer, mestre de cerimônias, citou a aparência de superficialidade que certos comportamentos em Cannes evocam -"os arrogantes, os que têm dentes sem sorrisos e sorrisos sem dentes"-, antes de enumerar filmes -como o vencedor de 2007, "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", do romeno Cristian Mungiu- e encerrar com um "obrigado ao Festival de Cannes por haver seqüestrado as maiores brutalidades do mundo, em benefício da mais singular beleza".
Quem declarou oficialmente aberto o festival foi o cineasta francês Claude Lanzmann, 82, que disse ter descoberto recentemente pontos de contato entre suas idéias de cinema e as do diretor americano Quentin Tarantino, cuja obra é antípoda da sua. "Assim como a humanidade é uma só, o cinema é um só."
Pela manhã, após a primeira projeção para a imprensa de "Ensaio sobre a Cegueira", que terminou sem reações de aplauso ou vaias, Meirelles e elenco falaram aos jornalistas.

Imaginação
O diretor citou o escritor português José Saramago, autor do livro no qual o filme se baseia. "Saramago disse que o cinema destrói a imaginação e [por isso] não queria vender os direitos do livro [para a adaptação]."
Na versão de Meirelles para a trama sobre epidemia de cegueira que atinge toda uma população, exceto uma mulher (vivida pela norte-americana Julianne Moore), há momentos de breu e outros de branco total na tela, deixando a imaginação do espectador livre para preencher as cenas.
O público conta, porém, durante todo o filme com o auxílio de um som límpido e audível até os detalhes, um recurso do diretor para mostrar como se aguçam os demais sentidos dos personagens recém-cegos.
O roteirista e ator (no papel do ladrão) canadense Don McKellar disse que era também preocupação de Saramago que o filme mantivesse "o caráter alegórico" do livro, "um verdadeiro sumário do milênio", na opinião de McKellar.
A Meirelles interessava abordar "a fragilidade da nossa civilização". Para o diretor, o livro de Saramago mostra que "nós nos consideramos tão sólidos, mas, quando uma coisa desaparece [a visão], tudo colapsa".
O ator norte-americano Danny Glover, intérprete do velho com a venda, foi o mais enfático ao associar a ficção à realidade, tomando como exemplo o furacão Katrina, ocorrido em 2005 nos Estados Unidos.
"O negócio com o Katrina não é o que o governo fez ou deixou de fazer. É que aquelas pessoas [atingidas pela devastação] eram invisíveis para nós, assim como são no Iraque ou em Darfur. Nós vivemos num mundo em que não vemos pessoas", afirmou Glover.


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