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Festival de Cannes aplaude Meirelles
De pé e voltada para equipe, platéia da sessão de gala do filme "Ensaio sobre a Cegueira" aclama filme durante 5 minutos
"Acho que esse não é um
bom filme para abrir o
festival", diz Fernando
Meirelles; projeção para a
imprensa não empolgou
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
Poucas horas antes da sessão
de gala de seu "Ensaio sobre a
Cegueira", que inaugurou ontem o 61º Festival de Cannes,
em competição pela Palma de
Ouro, o cineasta brasileiro Fernando Meirelles dizia: "Ainda
acho que esse não é um bom
filme para abrir o festival", dada sua história pesadamente
dramática.
O tempo provou que Meirelles não tinha razão. Quando
terminou a projeção de "Ensaio..." no Palácio dos Festivais,
às 22h11 (17h11, no horário de
Brasília), a platéia toda se pôs
de pé e, nos cinco minutos seguintes, aplaudiu, voltada para
Meirelles e sua equipe.
Foi a segunda vez na noite
que o diretor recebeu aplausos
de pé dos convidados internacionais do festival, como as
atrizes Cate Blanchett, Faye
Dunaway e Eva Longoria, que
dividiam a platéia com boa parte do quem é quem do cinema
francês.
A primeira ovação ocorreu
quando o diretor chegou para a
cerimônia de abertura, e sua
presença foi anunciada pelo cerimonial, com a frase: "Senhoras e senhores, Fernando Meirelles". Entre uma e outra salva
de palmas ao brasileiro, viu-se
uma celebração ao cinema, em
tom favorável aos autores que
mantêm suas carreiras distantes do epicentro mercadológico
da indústria (Hollywood), e
seus filmes livres de ditames
estéticos.
"Cartas de amor"
"O Festival de Cannes sempre seleciona grandes filmes.
Vamos mandar cartas de amor
a alguns deles, com o aviso aos
distribuidores de que não são
confidenciais", disse o ator e diretor norte-americano Sean
Penn, que preside o júri desta
edição. Em entrevista pela manhã, Penn ressaltara a pretensão de fazer com que os prêmios a serem concedidos por
seu júri, no próximo dia 25, ajudem os filmes a "encontrar o
seu público".
O ator francês Édouard Baer,
mestre de cerimônias, citou a
aparência de superficialidade
que certos comportamentos
em Cannes evocam -"os arrogantes, os que têm dentes sem
sorrisos e sorrisos sem dentes"-, antes de enumerar filmes -como o vencedor de
2007, "4 Meses, 3 Semanas e 2
Dias", do romeno Cristian
Mungiu- e encerrar com um
"obrigado ao Festival de Cannes por haver seqüestrado as
maiores brutalidades do mundo, em benefício da mais singular beleza".
Quem declarou oficialmente
aberto o festival foi o cineasta
francês Claude Lanzmann, 82,
que disse ter descoberto recentemente pontos de contato entre suas idéias de cinema e as do
diretor americano Quentin Tarantino, cuja obra é antípoda da
sua. "Assim como a humanidade é uma só, o cinema é um só."
Pela manhã, após a primeira
projeção para a imprensa de
"Ensaio sobre a Cegueira", que
terminou sem reações de
aplauso ou vaias, Meirelles e
elenco falaram aos jornalistas.
Imaginação
O diretor citou o escritor português José Saramago, autor do
livro no qual o filme se baseia.
"Saramago disse que o cinema
destrói a imaginação e [por isso] não queria vender os direitos do livro [para a adaptação]."
Na versão de Meirelles para a
trama sobre epidemia de cegueira que atinge toda uma população, exceto uma mulher
(vivida pela norte-americana
Julianne Moore), há momentos de breu e outros de branco
total na tela, deixando a imaginação do espectador livre para
preencher as cenas.
O público conta, porém, durante todo o filme com o auxílio
de um som límpido e audível
até os detalhes, um recurso do
diretor para mostrar como se
aguçam os demais sentidos dos
personagens recém-cegos.
O roteirista e ator (no papel
do ladrão) canadense Don
McKellar disse que era também preocupação de Saramago
que o filme mantivesse "o caráter alegórico" do livro, "um verdadeiro sumário do milênio",
na opinião de McKellar.
A Meirelles interessava abordar "a fragilidade da nossa civilização". Para o diretor, o livro
de Saramago mostra que "nós
nos consideramos tão sólidos,
mas, quando uma coisa desaparece [a visão], tudo colapsa".
O ator norte-americano
Danny Glover, intérprete do
velho com a venda, foi o mais
enfático ao associar a ficção à
realidade, tomando como
exemplo o furacão Katrina,
ocorrido em 2005 nos Estados
Unidos.
"O negócio com o Katrina
não é o que o governo fez ou
deixou de fazer. É que aquelas
pessoas [atingidas pela devastação] eram invisíveis para nós,
assim como são no Iraque ou
em Darfur. Nós vivemos num
mundo em que não vemos pessoas", afirmou Glover.
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