São Paulo, sábado, 15 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RODAPÉ LITERÁRIO

Poeira experimental


Em "n.d.a.", Arnaldo Antunes injeta expressividade no experimentalismo sem perder seu DNA poético


MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

NOVO LIVRO do poeta e compositor Arnaldo Antunes, "n.d.a." reúne poemas visuais, fotos e cartões-postais (ou "ready mades" fotográficos) ao lado de versos mais "convencionais" que, embora não estivessem ausentes de suas obras anteriores, ganham aqui densidade.
A trajetória de Antunes tem rara coerência. Sua matriz é a poesia concreta, em trabalhos que exploram a espacialidade da página (como em "da janela", com signos dispostos como numa moldura) ou que decompõem as palavras verticalmente, em elementos gráficos e fonemas que sugerem uma música meio gutural, na qual reconhecemos algumas de suas criações na banda Titãs e em sua carreira solo como cantor.
Anexando territórios, ele também inclui em seu repertório algumas manipulações pictóricas que remetem à poesia caligráfica de Edgard Braga e à estética do grafite -como nas duas versões de "você", em que essa palavra é tatuada sobre fundo pontilhado, numa imagem de explosão cósmica.
O poema "você" está na segunda parte do livro, intitulada "nada de dna", que dialoga com o título geral do volume, a sigla "n.d.a" -usada em testes de múltipla escolha para designar a opção "nenhuma das alternativas". De algum modo, é como se Arnaldo Antunes recapitulasse suas origens, seu DNA poético, para expor um impasse cuja deriva formal será, surpreendentemente, um poema apenas verbal, aquele que dá nome ao novo livro.
Neste, ele faz variações em torno da expressão do título, iniciando cada estrofe com frases como "nenhuma das alternativas/ me atrai" ou "nenhuma das alternativas/ me convence", para em seguida reiterar sua negatividade em versos introduzidos pelo advérbio "nem": "nenhuma das alternativas/ me desperta -/ nem a borda que alarga/ nem a corda que aperta/ nem a boca que amarga/ ou o açúcar que empedra".
Todo o poema segue essa toada, às vezes transgredindo seu paralelismo, sinal de que em alguns momentos Antunes troca o rigor formal pela expressividade do sentido -porém conservando, ao final, a ideia de que "só/ o que nega/ o resto/ ao redor/ resta/ e cega/ me leva/ pelo cor/ redor/ à porta/ (certa, in/ certa, não/ importa)/ da saída".
"n.d.a." não é uma obra de revisionismo poético, mas o desconstrutivismo que está em seu código genético (e que permeia o livro) aparece ao lado de poemas mais opulentos, sensoriais -como "mar é", que faz referências ao poeta Cesário Verde, ou "cápsula caroço", um inventário de objetos miúdos (botão, ácaro, drágea, bola de gude) que cabem no bolso, trazendo a poeira das ruas para o módulo da poesia experimental.


N.D.A.

Autor: Arnaldo Antunes
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 44 (208 págs.)
Avaliação: ótimo




Texto Anterior: Vitrine
Próximo Texto: Crítica/"Flores das Flores do Mal": Tradução virtuosista preserva a qualidade poética de Baudelaire
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.