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Crítica/"Flores das Flores do Mal"
Tradução virtuosista preserva a qualidade poética de Baudelaire
Coletânea de Guilherme de Almeida recria em português a
a força e a precisão escultural dos versos do poeta francês
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Nem tudo o que Charles
Baudelaire escreveu
nas suas "Flores do
Mal" traz a aura maldita e demoníaca que o título sugere.
Mas os 21 poemas que Guilherme de Almeida (1890-1969) escolheu para traduzir,
nas suas "Flores das Flores do
Mal", correspondem bastante à
imagem crispada do escritor
francês, oferecendo ao leitor
brasileiro uma excelente introdução ao universo de um dos
criadores da poesia moderna.
"Eu sou um cemitério odiado
pela lua,/Onde, como remorsos
maus, vermes compridos/Andam sempre a atacar meus
mortos mais queridos", diz um
dos poemas a que Baudelaire
deu o nome, tipicamente romântico, de "Spleen" (algo como "melancolia" ou "tédio").
"Aleijão monstruoso", no
poema "Bendição", ou "enfermo que coxeia", em "O Albatroz", a figura sombria de Baudelaire (1821-1867) se exprime
em versos de precisão escultural, que o virtuosismo vocabular e rítmico de Guilherme de
Almeida -talvez o maior "técnico" da moderna poesia brasileira- faz reviver de modo assombroso em português.
Não se trata apenas de saber
rimar e reproduzir o sentido
dos poemas.
Nesta coletânea,
originalmente publicada em
1944, Guilherme de Almeida
consegue fazer com que o ritmo
psicológico da leitura, em português, mantenha a teatralidade, o "timing" nas surpresas e
nos gestos de cena, que Baudelaire manejava à perfeição.
O lugar de cada palavra no
verso, a pontuação, as quebras
de sintaxe, as acelerações e retardamentos na prosódia são
indispensáveis para dar aos
poemas de Baudelaire não só a
cor e o tom, mas o "nervo" que
precisam ter em português.
Miraculosamente, as traduções de Guilherme de Almeida
conseguem fazer mais do que
isso: em alguns momentos,
acrescentam ainda mais força e
"modernidade" ao original.
O "soleil monotone" (sol monótono) de "Perfume Exótico"
se torna "um sol morno de sono". No mesmo poema, a "ilha
preguiçosa" de Baudelaire ("île
paresseuse") ocupa todo um
verso nas mãos de Guilherme
de Almeida: "uma ilha preguiçosa e molenga e sem dono".
"Remorso póstumo" falaria
apenas de um "monumento
construído em mármore negro" se o poeta brasileiro não tivesse preferido, com mais concisão, construir um "negro
mausoléu de mármores" mais
baudelairiano e definitivo, sem
dúvida, do que em francês.
A nova edição bilíngue inclui
as notas e comentários de Guilherme de Almeida à própria
tradução, além de um posfácio
de Marcelo Tápia e de alguns
dos desenhos (bem pouco "malignos", aliás) feitos por Henri
Matisse (1869-1954) para uma
edição francesa em 1947.
FLORES DAS FLORES DO MAL
Autor: Charles Baudelaire
Tradução e seleção: Guilherme de Almeida
Editora: 34
Quanto: R$ 39 (144 págs.)
Avaliação: ótimo
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