São Paulo, sábado, 15 de maio de 2010

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Crítica/"Flores das Flores do Mal"

Tradução virtuosista preserva a qualidade poética de Baudelaire

Coletânea de Guilherme de Almeida recria em português a a força e a precisão escultural dos versos do poeta francês

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Nem tudo o que Charles Baudelaire escreveu nas suas "Flores do Mal" traz a aura maldita e demoníaca que o título sugere. Mas os 21 poemas que Guilherme de Almeida (1890-1969) escolheu para traduzir, nas suas "Flores das Flores do Mal", correspondem bastante à imagem crispada do escritor francês, oferecendo ao leitor brasileiro uma excelente introdução ao universo de um dos criadores da poesia moderna.
"Eu sou um cemitério odiado pela lua,/Onde, como remorsos maus, vermes compridos/Andam sempre a atacar meus mortos mais queridos", diz um dos poemas a que Baudelaire deu o nome, tipicamente romântico, de "Spleen" (algo como "melancolia" ou "tédio").
"Aleijão monstruoso", no poema "Bendição", ou "enfermo que coxeia", em "O Albatroz", a figura sombria de Baudelaire (1821-1867) se exprime em versos de precisão escultural, que o virtuosismo vocabular e rítmico de Guilherme de Almeida -talvez o maior "técnico" da moderna poesia brasileira- faz reviver de modo assombroso em português. Não se trata apenas de saber rimar e reproduzir o sentido dos poemas.
Nesta coletânea, originalmente publicada em 1944, Guilherme de Almeida consegue fazer com que o ritmo psicológico da leitura, em português, mantenha a teatralidade, o "timing" nas surpresas e nos gestos de cena, que Baudelaire manejava à perfeição.
O lugar de cada palavra no verso, a pontuação, as quebras de sintaxe, as acelerações e retardamentos na prosódia são indispensáveis para dar aos poemas de Baudelaire não só a cor e o tom, mas o "nervo" que precisam ter em português.
Miraculosamente, as traduções de Guilherme de Almeida conseguem fazer mais do que isso: em alguns momentos, acrescentam ainda mais força e "modernidade" ao original.
O "soleil monotone" (sol monótono) de "Perfume Exótico" se torna "um sol morno de sono". No mesmo poema, a "ilha preguiçosa" de Baudelaire ("île paresseuse") ocupa todo um verso nas mãos de Guilherme de Almeida: "uma ilha preguiçosa e molenga e sem dono".
"Remorso póstumo" falaria apenas de um "monumento construído em mármore negro" se o poeta brasileiro não tivesse preferido, com mais concisão, construir um "negro mausoléu de mármores" mais baudelairiano e definitivo, sem dúvida, do que em francês.
A nova edição bilíngue inclui as notas e comentários de Guilherme de Almeida à própria tradução, além de um posfácio de Marcelo Tápia e de alguns dos desenhos (bem pouco "malignos", aliás) feitos por Henri Matisse (1869-1954) para uma edição francesa em 1947.


FLORES DAS FLORES DO MAL

Autor: Charles Baudelaire
Tradução e seleção: Guilherme de Almeida
Editora: 34
Quanto: R$ 39 (144 págs.)
Avaliação: ótimo




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