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NINA HORTA
Reflexões gastronômicas
Por que quem escreve sobre miúdos faz uma introdução
e vai direto ao ponto quando o assunto é chocolate?
CHEGOU O último número da
revista americana "Gastronomica". São quatro números por ano, é bonita e tem ótimos
colaboradores. Quem se interessa?
A editora, Darra Goldstein, já começa contando histórias. Foi se servir num bufê e ainda no começo da
fila lhe deram um prato e um garfo.
Pensou que só comeria coisinhas fáceis, garfais e, para sua surpresa, foi
logo encontrando um rosado e sedutor rosbife em fatias grossas. Pegou
assim mesmo, não resistiu à tentação, sentou-se num canto, pegou o
pedaço de carne com o polegar e o
indicador, com certeza fez força para não levantar o mindinho e nhoc,
nhoc, acabou sua carne, encantada
com a experiência nova.
O irônico da coisa é que ela é obcecada por boas maneiras à mesa e pelos vários modos com os quais os homens através dos tempos têm levado a comida à boca. E acabou de organizar uma exposição de design de
talheres americanos e europeus, de
1500 a 2005, em Nova York, no Cooper Hewitt - National Design Museum (www.cooperhewitt.org).
É uma belíssima e interessante
coleção, os americanos aplaudem e
enchem as galerias, mas, contraditoriamente, a cada dia simplificam
mais a vida e só querem comer com
as mãos, ou com os dedos, como dizem. Finger food.
Betty Fussell, outra das colaboradoras deste número, dá um depoimento de sua vida pessoal. Cada
coisa que punha na boca tinha uma
história que ia até Adão e Eva ou
até os Australopithecus. Percebeu
que a história da comida é a história da humanidade. Para seu agrado, na última década muita gente
percorreu esse caminho, apareceu
um tsunami de trabalhos acadêmicos, a comida juntou-se aos outros
assuntos, como sexo, morte, cinema e "como viver melhor num
mundo que constantemente destruímos".
E a revista tem vários artigos sobre miúdos. Miúdos que causam
suspeita, medo, nojo, alegria, prazer, indiscutivelmente um assunto
polêmico.
Muitas perguntas. Por que alguém que vai escrever sobre miúdos, vísceras, sempre faz uma introdução incentivando o leitor a
apreciar estas iguarias e já vai direto ao ponto quando o assunto é
chocolate? Será que, quando comemos "carne", estamos comendo
algo impreciso, sem muita localização no mapa anatômico, enquanto
língua, pé, rabo e joelho a gente sabe direitinho onde estão e a cara
que têm? Por que as indústrias escondem os fatos anatômicos e os
transformam em nuggets?
O astro televisivo Jamie Oliver
teve o susto de sua vida quando
tentou modificar a comida das escolas inglesas. As crianças fizeram
cara feia para coxas de frango e só
queriam saber de quadradinhos
fritos. Ele teve a idéia de desconstruir um nugget passando todas as
carnes que iam nele no processador. Deu aulas às crianças, mostrou
de onde vinha cada pedaço, aproximou-as do alimento. A campanha
rendeu frutos e, em março, o governo aprovou US$ 533 mil para a
merenda escolar formada por ingredientes não maquiados.
Temos uma crítica do documentário de Jonathan Nossiter, "Mondovino", que já existe aqui em
DVD. Eles não se importam muito
com notícias frescas, é uma revista
reflexiva, então, tanto faz a hora
em que você reflete.
Bem, isso tudo é um décimo da
revista "Gastronomica". Tem fotos, ilustrações, críticas de livros,
investigações de linguagem, estéticas, filosóficas. Querem mais? Em
www.gastronomica.org.
ninahorta@uol.com.br
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