São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 2006

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Metralhadora colombiana

É lançado no Brasil livro que celebrizou o agressivo e desbocado Fernando Vallejo

O semi-autobiográfico "A Virgem dos Sicários" narra uma história de amor homossexual em meio à violência de Medellín


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há quem diga que é só tipo. Que Fernando Vallejo só fala mal dos pobres, do papa e até da própria mãe para garantir espaço na imprensa e flashes nas entregas de prêmios. Pode ser. Mas o fato é que a fórmula do colombiano pegou. Tanto que, há anos, os adjetivos que sua obra rende são praticamente os mesmos. Os que consideram seu estilo "cool" dizem que o autor é "polêmico" ou "provocador", enquanto os que acham que ele não passa de um oportunista o acusam de "nazista", "racista" e por aí vai. Foi por causa dos ataques desses últimos, inclusive, que o autor decidiu se auto-exilar no México, onde vive desde 1971. Com mais de dez anos de atraso, chega ao Brasil o livro que celebrizou Vallejo, "A Virgem dos Sicários" (1994), relato semi-autobiográfico que narra o romance de um homem mais velho com um sicário -jovens que matam por encomenda- em Medellín -cidade onde o escritor nasceu.

 

FOLHA - Seus livros sempre tratam de você ou de coisas e pessoas ao seu redor. É impossível fazer literatura com alguma distância?
FERNANDO VALLEJO -
Sim, uma das coisas que mais desaprovo é o romance em terceira pessoa, com ou sem o narrador onisciente. A ficção é mentira, e estou farto dos mentirosos.

FOLHA - O protagonista de "A Virgem dos Sicários" se pergunta porque a Colômbia ainda o preocupa, se ela já não é mais sua. A Colômbia ainda o preocupa? Por quê?
VALLEJO -
Não, a Colômbia já não tem remédio. É mais fácil consertar um ovo quebrado.

FOLHA - Seu olhar sobre Medellín está sempre entre a nostalgia e o ódio. Se pudesse, voltaria no tempo para mudar sua história?
VALLEJO -
Já não me importam nem essa cidade nem o país onde ela está. Para mim, não existem nem mesmo na memória. E que horror voltar atrás no tempo! Com uma vida já temos mais do que o suficiente.

FOLHA - Por que seu personagem se irrita tanto com o vallenato [gênero musical colombiano] soando alto nos rádios dos táxis?
VALLEJO -
Detesto os vallenatos, detesto o samba, detesto os pobres, detesto os demagogos, destesto os médicos, detesto os padres. A cada dia, só quero mais às minhas duas cadelas, que se chamam Kim e Kina.

FOLHA - Há uma demanda maior por uma literatura que retrate a violência social na América Latina?
VALLEJO -
Quando disse que a Colômbia era um país de ladrões, muitos protestaram. Depois se acostumaram à idéia. E então lhes disse que era um país de assassinos. E agora que aceitaram isso também, afinal as estatísticas calam a boca de qualquer um, posso dizer que são um país de asquerosos.

FOLHA - Você não gostava de João Paulo 2º, imagino que de Bento 16 também não.
VALLEJO -
Ratzinger é um inquisidor. Se estivesse em suas mãos, voltaria a acender as fogueiras de Torquemada.

FOLHA - O que você achou da nova vitória de Álvaro Uribe nas eleições?
VALLEJO -
Uribe é um dos presidentes mais vis e indignos que a Colômbia já teve. Todo tempo fala da Santíssima Virgem, mas é um alcagüete do delito. Estão aí soltos os 20 mil paramilitares assassinos e genocidas a quem deu indulto. Ele hoje representa a Colômbia, um país imbecil, uma pátria má. O único que ela merece é alguém como ele.

FOLHA - Ainda vive no México?
VALLEJO -
Sim, continuo vivo porque vivo no México. Na Colômbia já teriam me despachado há muito tempo para o Céu.


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