São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 2002

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ACONTECE

"CHICO PINHEIRO E CONVIDADAS"

Maria Rita Mariano, 24, divide palco com o violonista e a cantora Luciana Alves

Filha de Elis estréia entre estrela e anti-estrela

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

U ma nova cantora brasileira tem subido constantemente no palco minúsculo do Supremo Musical, em São Paulo -ela, que se chama Maria Rita Mariano e tem 24 anos, começa ali hoje nova temporada, que seguirá pelas próximas duas segundas-feiras.
Ao contrário de todas as novas cantoras brasileiras, essa não quer que se espalhe a notícia de sua estréia. Não quer dar entrevistas, não quer que seu nome fique conhecido, nem divulgar o show.
Por quê? Ela não explica, mas deve ser porque sua mãe é Elis Regina (1945-82), para milhões de brasileiros a maior cantora que já pisou neste solo.
Elis morreu quando ela tinha quatro anos e, diz-se, a comparação com a mãe que mal conheceu é tudo que Maria Rita quer evitar.
A bordo daquele cenário inicial e dessa estratégia, Maria Rita pretende escapar a todo custo das comparações hereditárias. Já não tem conseguido, e deve continuar não conseguindo.
O show que hoje recomeça, por exemplo, nem é dela. É do violonista e compositor Chico Pinheiro. Maria Rita interpreta poucas canções e se alterna no palco com outra cantora, a delicada Luciana Alves. No entanto, só se fala de Maria Rita. A curiosidade prévia é herança da mãe, é claro.
Entre os espectadores do show lotado, atraídos à revelia do bloqueio de divulgação pela equipe de Maria Rita, predominam senhores e senhoras que eram jovens à época de "Arrastão" (65).
O público de Chico, Luciana e Maria Rita não é ainda o deles, mas sim o de Elis, à espera de ressurreição tipo "ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais".
Maria Rita acerta ao repudiar o mito. E erra, por isso mesmo, ao se portar como estrela que ainda não é. A estratégia passa a oscilar entre horror ao mito comparativo e marketing artístico invertido.
Seja como for. No palco, semi-escondida entre a pressão sanguínea e um aparato musical que ainda é morno, existe uma artista, uma nova artista.
O besteirol comparativo correrá solto, mas será inútil. Pelo pouquíssimo que se ouve no show-laboratório, a angústia da influência não torna Maria Rita uma artista insegura, nem hesitante, nem despersonalizada.
Isso se evidencia quando ela canta "April Child", do maestro Moacir Santos, mito samba-jazz da geração de Elis. O peso histórico/hereditário (familiar, social, musical) sobrevoa o palco, mas quem parece vencer, trancafiando todo o resto, é uma intérprete sorridente, feliz, inebriada pelo prazer incontrolável de cantar.
Por isso, e não por qualquer razão colateral, a excessiva juventude e a forte segurança dessa moça assustam, impressionam e alegram as experientes cortinas do Supremo Musical. Seus ácaros farejam vida musical arejada e se põem em rota de fuga.
Quem há de purgar o peso da herança, enfim, não serão os grisalhos de lágrimas pingando que lotam o cubículo paulistano. Nem a garotada que Maria Rita ainda não começou a atrair para perto de si, talvez por saudosismo próprio. Muito menos a imprensa fúnebre que insistirá sempre em vê-la e repetir "Elis, Elis, Elis".
Quem há de exorcizar a presença de Elis Regina (e também a do pai Cesar Camargo Mariano, vivo e tão mítico quanto a mãe nos círculos musicais) é Maria Rita Mariano, mais ninguém. A senha ela já conhece: é só carregar palco abaixo e vida afora o bom humor, a ingenuidade e a alegria que já exibe ao cantar, desde novinha e iniciante.


Chico Pinheiro, Maria Rita Mariano e Luciana Alves
   
Onde: Supremo Musical (r. Oscar Freire, 1.000, tel. 3062-0950)
Quando: hoje, dia 22 e dia 29, às 22h
Quanto: R$ 25




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