São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 2005

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CDS

MÚSICA

Novo disco mistura ritmos e traz forte influência de Itamar Assumpção

Zélia Duncan volta ao pop transformada em "pró-tudo"

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Depois de gravar Wilson Batista, Dorival Caymmi, Cartola, Tom Jobim e outros mestres no CD "Eu me Transformo em Outras", Zélia Duncan, felizmente, não voltou incólume ao mundo pop. "Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band" mostra uma cantora e compositora transformada.
Os fãs de "Catedral" e outros sucessos radiofônicos de Duncan não devem se preocupar, pois boa parte do clima -melodias, muitos dos arranjos, temas- de seu novo disco é digestivamente pop. Mas há nas letras, na voz e em algumas escolhas a marca impressa do trabalho anterior.
"Jamais serei a mesma [depois do último CD]. Sempre cantei de um jeito mais cool, por exemplo, e agora estou com mais vigor", diz Duncan. "Quis fazer uma ponte entre o meu trabalho autoral e o "Eu me Transformo", mas sem criar uma mistura indigesta."
Por causa desse temor, ela reviveu os tempos do LP e inventou, uma espécie de lado B: são as quatro últimas músicas. Neste bloco, o tom pop arrefece, dando lugar ao choro, ao samba e à canção lenta e aguda.
Dessas faixas, a que mais representa a "nova" Duncan é uma parceria com o maestro Guerra Peixe (1914-1993). Ela pôs letra no choro "Inclemência" -aqui rebatizado de "Diz nos Meus Olhos"- a pedido de um grupo de música eletrônica. Na sua hora de gravar, registrou à moda antiga, com direito ao piano de Cristóvão Bastos. É um dos melhores momentos do CD.
Mas o momento mais comovente é a faixa final. Duncan reinterpreta "Milágrimas", uma das canções mais bonitas de Itamar Assumpção, acompanhada da filha dele, Anelis, e de um arranjo tão lancinante quanto a letra: "Sinta o gosto do sal/ Gota a gota, uma a uma/ Duas, três, dez, cem mil lágrimas, sinta o milagre/ A cada milágrimas sai um milagre".
Itamar Assumpção (1949-2003) é o rio que atravessa os "lados A e B" do disco, como que embasando o desejo de Duncan de cantar o que quiser, independentemente dos rótulos. Ela, que já gravara cinco músicas de Itamar em outros CDs, incluiu quatro no novo.
As canções surgem em uma curva descendente de clima e ascendente de qualidade. A primeira é "Vi, Não Vivi", que reveste de leveza sonora uma letra anti-romântica com menções aos poetas Rilke e Paulo Leminski.
"Tudo ou Nada", bem ao estilo de Itamar e Alice Ruiz (viúva de Leminski), canta o amor como um compromisso com o presente. E "Dor Elegante", melodia de Itamar para um poema de Leminski, foi gravada por Duncan no CD "Pretobras" e agora ressurge, com o título tatuado no braço direito da cantora.
"Nos shows, as pessoas dançam o reggae animadas. Ainda não sei se percebem o que Leminski está dizendo na letra", comenta ela, referindo-se a versos como "Sofrer vai ser a minha última obra/ Ela é tudo que me sobra/ Viver vai ser a minha última obra".
Situada no final do "lado A" do disco, "Dor Elegante" prenuncia as dores de "Milágrimas" e reforça, ao falar de "carregar o peso da dor/ Como se portasse medalhas", o ataque na faixa-título às futilidades pseudo-originais que se travestem de arte. "Todo mundo quer ser de novo o novo/ O ovo de pé, o estouro", traduz Duncan, com Lenine, nossos tempos de "Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band".
Firmando-se como uma artista mais "pró-tudo" do que produto, ela consumou parcerias incomuns, como um samba com Lulu Santos ("Quisera Eu", cuja letra enviara imaginando uma balada pop) e uma balada pop com Mart'nália ("Benditas", que escrevera pensando em samba).
"Estou conseguindo fazer o que eu quero, ficar livre. E isso é maravilhoso", exulta ela.


Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band
   
Artista: Zélia Duncan
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 34, em média


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