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CDS
MÚSICA
Novo disco mistura ritmos e traz forte influência de Itamar Assumpção
Zélia Duncan volta ao pop transformada em "pró-tudo"
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Depois de gravar Wilson Batista, Dorival Caymmi, Cartola, Tom
Jobim e outros mestres no CD
"Eu me Transformo em Outras",
Zélia Duncan, felizmente, não
voltou incólume ao mundo pop.
"Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band"
mostra uma cantora e compositora transformada.
Os fãs de "Catedral" e outros sucessos radiofônicos de Duncan
não devem se preocupar, pois boa
parte do clima -melodias, muitos dos arranjos, temas- de seu
novo disco é digestivamente pop.
Mas há nas letras, na voz e em algumas escolhas a marca impressa
do trabalho anterior.
"Jamais serei a mesma [depois
do último CD]. Sempre cantei de
um jeito mais cool, por exemplo, e
agora estou com mais vigor", diz
Duncan. "Quis fazer uma ponte
entre o meu trabalho autoral e o
"Eu me Transformo", mas sem
criar uma mistura indigesta."
Por causa desse temor, ela reviveu os tempos do LP e inventou,
uma espécie de lado B: são as quatro últimas músicas. Neste bloco,
o tom pop arrefece, dando lugar
ao choro, ao samba e à canção
lenta e aguda.
Dessas faixas, a que mais representa a "nova" Duncan é uma
parceria com o maestro Guerra
Peixe (1914-1993). Ela pôs letra no
choro "Inclemência" -aqui rebatizado de "Diz nos Meus
Olhos"- a pedido de um grupo
de música eletrônica. Na sua hora
de gravar, registrou à moda antiga, com direito ao piano de Cristóvão Bastos. É um dos melhores
momentos do CD.
Mas o momento mais comovente é a faixa final. Duncan reinterpreta "Milágrimas", uma das
canções mais bonitas de Itamar
Assumpção, acompanhada da filha dele, Anelis, e de um arranjo
tão lancinante quanto a letra:
"Sinta o gosto do sal/ Gota a gota,
uma a uma/ Duas, três, dez, cem
mil lágrimas, sinta o milagre/ A
cada milágrimas sai um milagre".
Itamar Assumpção (1949-2003)
é o rio que atravessa os "lados A e
B" do disco, como que embasando o desejo de Duncan de cantar o
que quiser, independentemente
dos rótulos. Ela, que já gravara
cinco músicas de Itamar em outros CDs, incluiu quatro no novo.
As canções surgem em uma
curva descendente de clima e ascendente de qualidade. A primeira é "Vi, Não Vivi", que reveste de
leveza sonora uma letra anti-romântica com menções aos poetas
Rilke e Paulo Leminski.
"Tudo ou Nada", bem ao estilo
de Itamar e Alice Ruiz (viúva de
Leminski), canta o amor como
um compromisso com o presente. E "Dor Elegante", melodia de
Itamar para um poema de Leminski, foi gravada por Duncan
no CD "Pretobras" e agora ressurge, com o título tatuado no braço
direito da cantora.
"Nos shows, as pessoas dançam
o reggae animadas. Ainda não sei
se percebem o que Leminski está
dizendo na letra", comenta ela, referindo-se a versos como "Sofrer
vai ser a minha última obra/ Ela é
tudo que me sobra/ Viver vai ser a
minha última obra".
Situada no final do "lado A" do
disco, "Dor Elegante" prenuncia
as dores de "Milágrimas" e reforça, ao falar de "carregar o peso da
dor/ Como se portasse medalhas", o ataque na faixa-título às
futilidades pseudo-originais que
se travestem de arte. "Todo mundo quer ser de novo o novo/ O ovo
de pé, o estouro", traduz Duncan,
com Lenine, nossos tempos de
"Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band".
Firmando-se como uma artista
mais "pró-tudo" do que produto,
ela consumou parcerias incomuns, como um samba com Lulu
Santos ("Quisera Eu", cuja letra
enviara imaginando uma balada
pop) e uma balada pop com
Mart'nália ("Benditas", que escrevera pensando em samba).
"Estou conseguindo fazer o que
eu quero, ficar livre. E isso é maravilhoso", exulta ela.
Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band
Artista: Zélia Duncan
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 34, em média
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