São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 2005

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POP/SOUL

Entre bombas, Jamiroquai faz festas

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O inglês Jay Kay, 35, milionário vocalista do Jamiroquai, é um sujeito que ficou famoso por ostentar um chapéu de búfalo que parecia ter sido roubado de Fred Flintstone, por pensar que é Stevie Wonder e pela coleção de carros na garagem. Sua maior proeza atual, no entanto, como mostram as circunstâncias que circulam seus discos recentes, como "Dynamite" (o sexto do grupo), é reaparecer em dias de ataques terroristas ao Ocidente.
A coincidência beira o tragicômico. O penúltimo disco, "A Funk Odyssey", foi lançado nos EUA em pleno 11 de Setembro. "Dynamite" saiu no Reino Unido no mês passado e chega no Brasil quase junto do ataque terrorista em Londres. Isso sem falar que o título (dinamite) não tem nada a ver com a tragédia. Será Jay Kay um tremendo de um pé-frio?
O fato é que sua relação com a política era mais concreta. As coisas mudaram desde 1993, quando surgiu ao mundo artístico com "Emergency on Planet Earth", disco que, apesar de anunciar o pastiche de black music e soul dos anos 70 que seria sua marca, transbordava de boas intenções, como o manifesto assinado no encarte. Nele, criticava as nações ricas e o descaso com o Terceiro Mundo: a Terra tinha que mudar.
Quinze anos depois, a revolução que não veio ao mundo revolucionou a vida de Kay. Ao contrato com a então poderosa Sony, que garantiu a gravação de oito álbuns, seguiram-se 20 milhões de discos vendidos (segundo a gravadora). De garoto inglês das ruas que foi salvo da marginalidade pela música, Kay tornou-se superstar que coleciona Ferraris.
A obsessão por esse mundo mais, digamos, material, toma a maior parte de "Dynamite", trabalho que soa particularmente problemático por sua alienação musical e conceitual.
Segundo o site da banda, Kay usou seu tempo desde 2001 para curtir uma vida adoidada. Espanha, Itália, Costa Rica e Los Angeles foram alguns dos pontos de parada do cantor, que aproveitou dias de sol, praia com mulher bonita e noitadas. Esse universo paradisíaco compõe a maior parte das letras de "Dynamite"; em um total de 11 músicas, apenas quatro têm um contexto crítico/politizado (na balada ao piano "World that He Wants" entenda-se "ele" como George W. Bush, homem que "desafia a tempestade e nos queima todos"); das nove fotos que estão no disco, três exibem Kay alegrão com seu carrão.
Claro, ninguém é obrigado a fazer música de protesto a vida inteira. Boas intenções não garantem boa arte. Além disso, o risco de cair na mera caricatura sempre aumenta -Bono Vox que o diga, nos seus entediantes dias de messianismo nos anos 80.
A questão é que Kay não coloca nada nesse vácuo. Ou melhor, preenche o buraco conceitual com narrações de suas badalações noturnas em veículos de alta velocidade, decepções amorosas e garotas sedentas por sexo que povoam canções como "Love Blind", a faixa-título, ou a pior de todas, a de tom mais roqueiro "Black Devil Car".
Musicalmente, Kay nunca teve muito a oferecer, e, portanto, seus milhares de fãs podem ficar tranqüilos. Mantém um bem produzido acid jazz fossilizado nos anos 90 que ainda hoje povoa e faz a alegria das áreas VIPs de eventos sociais "sofisticados". Há, no entanto, alguns bons momentos: "Feels Like It Should", com mais distorção e uma acentuada linha de baixo, lembra uma música antiga do grupo, a interessante "Deeper Underground", e a melhor do disco, a dançante e de inegável apelo pop "Electric Mistress", é quase uma cópia de "Red Alert", do ótimo Basement Jaxx.
Com "Dynamite", Kay sugere o escapismo como a solução em tempos difíceis. O passado, claro, não precisa servir de amarra para o presente, mas falar de carrões em tempos de terrorismo soa particularmente tolo para alguém que criticava a concentração de renda do países ricos. Portanto, tome cuidado toda a vez que o Jamiroquai lançar disco novo.


Dynamite
 
Artista: Jamiroquai
Lançamento: Sony/BMG
Quanto: R$ 30, em média


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