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LIVROS
Crítica/romance
E. M. Forster compõe ode à liberdade
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
E.
M. Forster se tornou
conhecido do grande
público, inclusive o
brasileiro, graças às adaptações
para as telas que cineastas requintados fizeram de seus principais romances, como "Passagem para a Índia", "Um Quarto
com Vista", "Maurice" e "Retorno a Howard's End".
Curiosamente, o escritor inglês, que morreu em 1970 aos
81 anos e não chegou a ver nenhum desses filmes, era extremamente cético em relação à
possibilidade de transplantar
com sucesso artístico livros para o teatro ou para o cinema.
Mas o talento literário de Edward Morgan Forster merece
ser conhecido na própria fonte.
É o que se pode fazer agora com
o lançamento de "Um Quarto
com Vista", em primorosa tradução do crítico da Folha Marcelo Pen, pela Editora Globo.
Este foi o terceiro romance
que ele escreveu. Foi publicado
em 1908 e é o mais otimista e
bem-humorado de seus livros.
A primeira parte da narrativa
relata a viagem de uma jovem
aristocrata inglesa a Florença,
onde conhece um compatriota
e se apaixona por ele, que no
entanto não pertence à sua
classe social. A segunda parte,
em Surrey, Inglaterra, mostra o
reencontro dos dois jovens que
se haviam conhecido na Itália.
Como em todo o seu trabalho, Forster aqui também faz
uma descrição delicada mas
profunda das contradições vividas na era eduardiana na Inglaterra. Questões que não
emergiam com clareza nos
tempos vitorianos, como sexualidade (extremamente reprimida nas gerações anteriores), choque de classes e socialismo, começavam a formar a
agenda social do início do século 20, a prenunciar os grandes
embates ideológicos e culturais
das décadas de 1920, 30 e subseqüentes.
Idéias em confronto
Forster estava entre os grandes cronistas desse período,
que foi ao mesmo tempo o apogeu e o início do fim do Império
Britânico. Sua posição quanto
às idéias em confronto fica explícita em "Um Quarto com
Vista". Sua simpatia é totalmente entregue à jovem Lucy,
que prefere assumir seu romance com George Emerson,
filho de um socialista, a manter
o noivado com Cecil Vyse, contra a expectativa da família e
dos salões da nobreza.
Essa atitude anticonservadora também se manifesta na maneira como o autor retrata os
italianos como símbolos da liberdade de expressão e da abertura de mente em contraponto
aos ingleses, sempre mais fechados e antipáticos a quaisquer novidades.
Cem anos atrás, era comum
que ingleses visitassem a Itália
com o objetivo de obter mais
familiaridade com as obras-primas do Renascimento e para
poder se exibir nos salões de
Londres com mais lustro cultural. Mas poucos entravam em
contato com os valores da cultura italiana. Ao contrário, a
maioria viajava em grupos homogêneos, alugava vilas ou
pensões inteiras para eles,
olhava com desprezo os emocionais e barulhentos italianos
e retornava à pátria intocada.
Forster viveu alguns anos na
Itália e, ao contrário de seus
compatriotas, deixou-se influenciar pelo país, assim como
pela Índia, onde também morou. Seu amor e admiração pela
Itália transparecem nesse livro,
em que critica com sutileza os
ingleses da época e constrói
uma pequena mas primorosa
ode à liberdade.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é jornalista
e diretor da Patri Relações Governamentais e
Políticas Públicas.
UM QUARTO COM VISTA
Autor: E. M. Forster
Tradução: Marcelo Pen
Editora: Globo
Quanto: R$ 39 (288 págs.)
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