São Paulo, sábado, 15 de julho de 2006

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LIVROS

A permanência do pós-moderno

Organizadora de fortuna crítica da arquitetura de 1965 a 1995 diz à Folha que temas do pós-modernismo ainda são relevantes

Ensaios abrangem período marcado pela emergência do pós-modernismo, a partir dos manifestos de Aldo Rossi e Robert Venturi

GUILHERME WISNIK
COLUNISTA DA FOLHA

Foi recentemente lançado no Brasil o livro "Uma Nova Agenda para a Arquitetura" (Cosacnaify, tradução de Vera Pereira, R$ 85, 664 págs.), antologia teórica organizada pela pesquisadora americana Kate Nesbitt, cobrindo a produção recente que vai de 1965 a 95, e que coincide com a emergência do pós-modernismo a partir dos manifestos de Aldo Rossi e Robert Venturi. Professora na Escola de Arquitetura da Universidade da Virgínia, Nesbitt recolheu uma importante fortuna crítica do período. Estão presentes no volume as férteis contribuições da semiótica, do estruturalismo, do pós-estruturalismo, da fenomenologia e do desconstrucionismo ao debate arquitetônico, com destaque ao diálogo entre o filósofo Jacques Derrida e os arquitetos Peter Eisenman e Bernard Tschumi. Em seu mosaico crítico aberto, o livro apresenta tanto visões favoráveis à incorporação arquitetônica do "vernáculo urbano comercial", quanto formulações de resistência ao papel homogeneizador da cultura de consumo. Este é o caso dos pensadores da "escola de Veneza", como Manfredo Tafuri, e de defensores de um "regionalismo crítico" aferrado à dimensão tectônica da construção, como Kenneth Frampton. No Brasil, esse importante debate teve, até hoje, pouca penetração. Espera-se, portanto, que essa iniciativa se desdobre em novos diálogos com a produção internacional, ecoando a bela, polêmica e isolada exposição de Eisenman no Masp, em 1993. Em entrevista à Folha, Nesbitt explica como seu livro aborda 30 anos de debate sobre o pós-modernismo e diz considerar as noções de "lugar" e de "sustentabilidade" fundamentais na resistência à globalização massificadora.  

FOLHA - Passados 11 anos desde a edição do seu livro, e considerando-se o desgaste da idéia de pós-modernismo nesse período, a senhora acha que a mesma "agenda" se mantém?
KATE NESBITT
- Eu sinto que a maioria das tendências debatidas no livro continuam tão relevantes quanto em 1995, quando foi publicado. O peso individual dessas preocupações pode ter se alterado. Mas, pelo fato de o assunto do livro não ser o "estilo" pós-moderno (o que seria uma atitude historicista em relação ao projeto), os temas mantêm relevância.

FOLHA - A teoria crítica pós-moderna amplia o leque de referências conceituais aplicadas à arquitetura, incluindo também uma relação renovada com a história. Que contribuições aparecem nessa abertura?
NESBITT
- O esforço de compreender a relação dos arquitetos com a história -uma relação mais complexa do que a rejeição modernista à história-, percorre vários dos ensaios. Além disso, a significação e o sentido do mundo visual foram explorados através das lentes de diversos paradigmas literários e filosóficos. Assim, a arquitetura é obrigada a se considerar em relação ao passado. Entre os temas abordados, um dos mais interessantes é a construção do "lugar". Recentemente, Carol Burns co-editou uma antologia que amplia a discussão sobre o tema, tal como foi explorado no meu livro. Essa ênfase no local está ligada à expressão da noção de lugar, que está cada vez mais ameaçada por um mundo globalizado, com lojas de Mc Donald's em cada esquina, de Charlottesville a São Paulo. Nos meus 11 anos de magistério, tanto os estudantes de projeto quanto os de teoria passaram cada vez mais a desenvolver projetos com base em uma aprofundada leitura do sítio, fosse ele urbano ou rural. Portanto, diferentemente de uma "nave espacial" modernista plantada numa tábula rasa, uma leitura seletiva do local determina o desenho do edifício que deverá ocupá-lo. De modo coerente, colaborações entre arquitetos e paisagistas podem ser vistas na prática atual.

FOLHA - Como a senhora vê o futuro da chamada "green architecture", representada, por exemplo, pelos mais novos e celebrados edifícios de Manhattan: o Seven World Trade Center e a Hearst Tower? Será que essa "arquitetura sustentável" estaria deixando o papel de resistência (ecologia) para assumir um papel de acomodação, a ponto de tornar-se um novo "estilo internacional"?
NESBITT
- A construção do lugar pode também ser abraçada pelo movimento de arquitetura sustentável ou ecológica, utilizando características do local para criar um ambiente mais eficiente em termos energéticos e humanos. Acho improvável que a arquitetura verde, ou ecológica, se torne um estilo, uma vez que se baseia em princípios de projeto previstos para muitas gerações, em grande sensibilidade ao local e em materiais seguros.

FOLHA - Uma das tônicas da produção artística do período, segundo as matrizes críticas pós-estruturalistas, é a idéia de "morte do autor". Como interpretar, a partir daí, o movimento atual em direção contrária, em que muitos arquitetos parecem reivindicar o papel do artista?
NESBITT
- Recentemente, ampliou-se o papel da tecnologia digital na formatação do projeto. Essa tendência estava começando na ocasião e o assunto é tratado brevemente no livro. As faculdades estavam começando a integrar ferramentas de Autocad. Atualmente, os projetos refletem a ferramenta empregada para criar a imagem: arquivos compartilhados via e-mail com colaboradores distantes em países estrangeiros. O computador despersonaliza o desenho, removendo o autor. Os arquitetos hoje projetam edifícios para locais no mundo todo, locais que, muitas vezes, nunca viram. Como isso vai mudar a experiência do visitante? Projetos sempre empregam novos materiais, mais leves e mais elásticos, que dão forma à aceleração da vida na era da internet, expressando fluxo. Nós nos movemos além da tensão dinâmica do modernismo para uma sensação pós-moderna de "fluxo". O computador permite desenhar e especificar formas e materiais que antes eram muito complexos para serem representados.


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