São Paulo, sábado, 15 de agosto de 2009

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Crítica/erudito

Experimentalismo é trunfo de Almeida Prado em obra

Composição foi feita especialmente para acompanhar filme francês de 1928

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A ideia era maluca, mas boa: compor 76 minutos de música sinfônica, para acompanhar o filme silencioso "Études sur Paris" (1928), de André Sauvage.
Só um bom compositor e suficientemente maluco como Almeida Prado para dar conta da tarefa (em quatro meses). O resultado teve sua estreia anteontem, com a Osesp regida por Cláudio Cruz, num programa que será repetido hoje e amanhã à tarde.
Encomendada pelo maestro John Neschling, quando ainda estava à frente da orquestra, e programada para acontecer durante a 3ª Jornada Brasileira do Cinema Silencioso, integrando também as comemorações do Ano da França no Brasil, os "Études" de Almeida Prado desarmam de cara qualquer verniz de cerimônia. Não menos do que de experimentalismo: ao longo da hora e tanto de música, o compositor soa como se estivesse a passeio, descompromissado, com direito a imitar uma dúzia de estilos e brincar de ser Satie, Debussy, Poulenc, Milhaud, Messiaen.
Sem falar em Edith Piaf, homenageada na imediatamente memorizável "musette", que aparece primeiro no acordeão (Toninho Ferragutti), depois, "num momento onírico, surreal", no trompete (Gilberto Siqueira), "em Montmartre, na madrugada, tocando para as estrelas", como diz o compositor. Almeida Prado, quem diria, tinha um Michel Legrand dentro de si.
Que ele também tinha Guillaume de Machaut (1300-77) não é menos surpreendente, como se escuta no coral de quartas paralelas nos metais, na seção de Notre Dame. Ou Stravinsky (1882-1971), no sugestivo "Tango" para piano solo (Olga Kopylova), da praça do Châtelet.
O filme de Sauvage faz uma viagem à volta da cidade, registrando com imagens impressionantes um percurso que começa nos canais tributários do Sena e só termina 35 km depois, com os barquinhos no lago do Jardim de Luxemburgo.
Em uma breve entrevista de apresentação, Prado deixa claro que fugiu de qualquer desejo de sonoplastia: a música não se preocupa em acompanhar, quadro a quadro, o que será visto na formidável tela atrás da gigantesca orquestra (forças completas, incluindo cinco percussionistas, mais acordeão, cravo, piano e celesta).
Se o resultado -uma série monumental de "estudos" ou "exercícios de estilo"- às vezes parece idealmente talhado, outras tantas não soa mais atrapalhado pelas imagens do que servindo propriamente a elas?
Várias seções, de qualquer modo, poderiam ser extraídas da trilha, para formar peças independentes. As "Variações Sobre "Plaisir d'Amour'" são um exemplo. Verdadeiro concerto para cravo amplificado e orquestra, em cinco movimentos, a partir de um tema de Giovanni Martini (1706-84), elas formam uma peça autônoma, que pode muito bem ser tocada sem o filme.
Nem tudo deu tão certo, mas inventar essas aventuras é missão da orquestra. Até o melhor museu precisa de coisas novas; e oxalá as coisas novas tivessem sempre uma casa como essa.


Avaliação: bom



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