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Crítica/erudito
Experimentalismo é trunfo de Almeida Prado em obra
Composição foi feita especialmente para acompanhar filme francês de 1928
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A ideia era maluca, mas
boa: compor 76 minutos de música sinfônica,
para acompanhar o filme silencioso "Études sur Paris" (1928),
de André Sauvage.
Só um bom compositor e suficientemente maluco como
Almeida Prado para dar conta
da tarefa (em quatro meses). O
resultado teve sua estreia anteontem, com a Osesp regida
por Cláudio Cruz, num programa que será repetido hoje e
amanhã à tarde.
Encomendada pelo maestro
John Neschling, quando ainda
estava à frente da orquestra, e
programada para acontecer durante a 3ª Jornada Brasileira do
Cinema Silencioso, integrando
também as comemorações do
Ano da França no Brasil, os
"Études" de Almeida Prado desarmam de cara qualquer verniz de cerimônia. Não menos
do que de experimentalismo:
ao longo da hora e tanto de música, o compositor soa como se
estivesse a passeio, descompromissado, com direito a imitar
uma dúzia de estilos e brincar
de ser Satie, Debussy, Poulenc,
Milhaud, Messiaen.
Sem falar em Edith Piaf, homenageada na imediatamente
memorizável "musette", que
aparece primeiro no acordeão
(Toninho Ferragutti), depois,
"num momento onírico, surreal", no trompete (Gilberto Siqueira), "em Montmartre, na
madrugada, tocando para as estrelas", como diz o compositor.
Almeida Prado, quem diria, tinha um Michel Legrand dentro
de si.
Que ele também tinha Guillaume de Machaut (1300-77)
não é menos surpreendente,
como se escuta no coral de
quartas paralelas nos metais,
na seção de Notre Dame. Ou
Stravinsky (1882-1971), no sugestivo "Tango" para piano solo
(Olga Kopylova), da praça do
Châtelet.
O filme de Sauvage faz uma
viagem à volta da cidade, registrando com imagens impressionantes um percurso que começa nos canais tributários do
Sena e só termina 35 km depois, com os barquinhos no lago do Jardim de Luxemburgo.
Em uma breve entrevista de
apresentação, Prado deixa claro que fugiu de qualquer desejo
de sonoplastia: a música não se
preocupa em acompanhar,
quadro a quadro, o que será visto na formidável tela atrás da
gigantesca orquestra (forças
completas, incluindo cinco
percussionistas, mais acordeão, cravo, piano e celesta).
Se o resultado -uma série
monumental de "estudos" ou
"exercícios de estilo"- às vezes
parece idealmente talhado, outras tantas não soa mais atrapalhado pelas imagens do que servindo propriamente a elas?
Várias seções, de qualquer
modo, poderiam ser extraídas
da trilha, para formar peças independentes. As "Variações Sobre "Plaisir d'Amour'" são um
exemplo. Verdadeiro concerto
para cravo amplificado e orquestra, em cinco movimentos,
a partir de um tema de Giovanni Martini (1706-84), elas formam uma peça autônoma, que
pode muito bem ser tocada sem
o filme.
Nem tudo deu tão certo, mas
inventar essas aventuras é missão da orquestra. Até o melhor
museu precisa de coisas novas;
e oxalá as coisas novas tivessem
sempre uma casa como essa.
Avaliação: bom
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