São Paulo, sábado, 15 de agosto de 1998

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LIVRO - LANÇAMENTO
Ventura abre coleção de pecados

Patricia Santos/Folha Imagem
O jornalista Zuenir Ventura, que acaba de lançar o livro "Mal Secreto" pela Objetiva


MARCELO PEN
especial para a Folha

Depois dos sucessos de "1968, O Ano Que Não Terminou" e "Cidade Partida", o jornalista Zuenir Ventura, 67, está lançando "Mal Secreto". O livro, que levou dois anos para ser completado, resultou numa obra surpreendente, que investiga os limites entre realidade e ficção.
É o primeiro lançamento da série sobre os sete pecados capitais, da editora Objetiva. A coleção trará textos de Luís Fernando Veríssimo (sobre a gula), João Ubaldo Ribeiro (luxúria), do chileno Ariel Dorfman (avareza), entre outros.
De sua casa no Rio de Janeiro, Ventura concedeu a seguinte entrevista à Folha.

Folha - Como a inveja, um sentimento tão pernicioso, não foi parar no Inferno de Dante, e sim no Purgatório?
Zuenir Ventura -
É uma questão que ficou sem resposta. Nem o Mezan (o psicanalista Ricardo Mezan), especialista no assunto, conseguiu resolver. Mas o castigo que se destina aos invejosos, de costurar-lhes os olhos, é terrível.
Folha - Quem sabe no Purgatório os invejosos têm a possibilidade de redenção?
Ventura -
É uma hipótese.
Folha - Definiu-se "1968" como um "romance sem ficção". "Cidade Partida" é uma crônica noir e "Mal Secreto", um making of. O que mudou?
Ventura -
Em "1968", tudo foi apurado com rigor jornalístico. "Cidade Partida" já incorpora alguns elementos subjetivos. Em "Mal Secreto", eu manipulo os fatos e sou manipulado por eles. Os editores sugeriram que se definisse esta última obra como de ficção. Afinal, estava entrando num terreno muito complicado, que envolvia segurança, assassinato. Poderia ser acusado de não ter revelado um crime à polícia.
Folha - O que partiu da realidade e o que foi totalmente inventado em "Mal Secreto"?
Ventura -
Quis que "Mal Secreto" se tornasse um jogo lúdico. Há grande seriedade na apuração no plano da realidade, como, por exemplo, na investigação acerca dos venenos. Mas há elementos ficcionais se intrometendo na narrativa e eu não gostaria de revelar o que é fato e o que é inventado.
Folha - Como foi a descoberta de que o sr. tinha câncer?
Ventura -
Descobri que tinha a doença com o projeto começado. De início, pensei em desistir dele, mas o livro acabou funcionando como uma catarse. O câncer gosta de produzir depressão, que é uma forma detestável de narcisismo, que eu abomino. Lutei contra isso.
Folha - Mais do que a inveja, o câncer é o grande vilão da história.
Ventura -
A Bíblia diz que "a inveja corrói como o câncer". Mesmo assim, não quis ser óbvio, forçar a barra. Até cortei algumas analogias entre a doença e a inveja.
Folha - O sr. se define como um romancista escrevendo uma reportagem ou um jornalista escrevendo ficção?
Ventura -
Gosto muito da minha profissão. Quando escrevi "1968", vieram me dizer que parecia um romance. Eu protestei. Queria que falassem que o meu livro era, na verdade, uma boa reportagem. Considero "Mal Secreto" um livro de reportagem, ainda que explore os limites do jornalismo.
Folha - No livro, o sr. se pergunta se há uma inveja boa. Ao mesmo tempo, admite que ficou "mordido de inveja" por causa de Rubem Fonseca, que teria escrito um conto lapidar sobre o assunto. Será que, em literatura, a inveja não seria algo bom, pois instiga o escritor a superar seus modelos?
Ventura -
Acho que inveja boa é admiração. Só se inveja quem está próximo. Na admiração, afastamos o objeto de nós. O fã não inveja o ídolo, ele o admira. É o que ocorre em minha relação com o Rubem. Não o invejo, pois o ponho no alto, distante de mim (risos). Vou confessar uma coisa: O Rubem leu os originais de "Mal Secreto". Aliás, ele exige ler todos os meus livros.
Folha - O sr. sabe se ele gostou?
Ventura -
O Rubem é um leitor muito cruel, impiedoso. Gostou do livro, mas ficou cinco horas comigo, dissecando a obra. Disse que poderia ter sido dividida em três partes: a teoria sobre a inveja, a história da protagonista (Kátia) e a narrativa da doença. Por ele, cortavam-se as duas primeiras e se desenvolvia a parte da doença. Ele achou que eu deveria ter escrito somente sobre ela. Mas eu retruquei: "Rubem, mas o livro é sobre a inveja!" O Rubem é assim, muito impulsivo.
Folha - No livro, o sr. deixa a questão do câncer inconclusa.
Ventura -
Em junho, fiz novo exame e não houve recidiva. O médico deu um prazo até o final do ano. Em setembro, tomo nova carga de BCG e, se tudo correr bem (bato na madeira ao dizer isso), o exame do fim do ano vai confirmar o outro: tudo barra-limpa.
Folha - Recentemente, no caderno "Mais!", da Folha, a crítica Walnice Nogueira Galvão sugeriu que o livro tende a acabar. O que o sr. acha disso?
Ventura - Não vejo isso até o horizonte que alcanço. Sou muito otimista. Nós dependemos tanto do suporte físico que a forma se torna uma espécie de conteúdo. Não vejo como é possível nos desfazermos dessa espécie de percepção. É um suporte material muito forte. Já disseram que com as novas tecnologias a palavra escrita tende a acabar. Mas agora vem outro instrumento tecnológico (a Internet) e a estimula novamente. Sempre que surge uma nova tecnologia, há um susto, mas ela não liquida o meio anterior -ela o obriga a aprimorar-se. Não tenho uma visão apocalíptica.



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