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ERUDITO/CRÍTICA
Vadim Repin é virtuose do instrumento
da Redação
A primeira frase da "Sonata"
de Mozart definiu o padrão do
concerto: começou instigante,
cresceu com força e finalizou
com indecisão. O violino, aqui
como no resto da noite, era o
solista absoluto, contra o mero
pano de fundo do piano.
Vadim Repin é um virtuose
do instrumento, mais do que
da imaginação, e teria muito a
ganhar de um acompanhante à
sua altura, o que não foi o caso
anteontem no Cultura Artística, em São Paulo.
Era Hegel quem falava da
música como a arte capaz de
tornar "a interioridade inteligível a si mesma". Estava falando
de Beethoven, mas poderia dizer o mesmo desse Mozart
(1756-91) que faz de mi menor,
aqui, uma tonalidade da consciência. Repin e Melnikov tocaram a sonata com cuidado,
mais do que conforto.
O violinista tem um som
cheio, senso de controle, arco
natural, equilíbrio da forma,
energia, ataque, bravura: a lista
de virtudes é grande. Muitas
vieram à tona na "Segunda Sonata", de Prokofiev (1891-1953).
É um músico sincero e direto.
Reclamar que não seja ensaístico soa como reclamar que não
seja insincero e indireto. Embora se sinta falta de alguma insinceridade na interpretação
da "Sonata", escrita durante a
guerra, para os ouvidos de Stálin, tanto quanto os nossos.
Ernest Chausson (1855-99) é
um dos wagnerianos franceses
do fim-de-século. Wagner ali
se dilui em volutas e fumos,
que podem ter a fineza sóbria
de Debussy e Mallarmé, ou o
abandono mais "fin-de-siècle"
de Chausson e Franck. O "Poema, op. 25" de Chausson foi tocado por Repin e Melnikov
com acento diferente. Não é só
porque são russos que têm de
tocar como russos, mas seu
Chausson soou como um parente de Scriabin. Ganha em
histeria; perde em sugestão.
Coube a Melnikov equilibrar
o crédito, fazendo de Franck
(1822-90) um Chausson. Mas a
"Sonata em Lá Maior" é aberratoriamente difícil, e o pianista suou para pular os obstáculos. No último movimento, em
particular, o número de notas
erradas passou do limite do
que não tem importância. Foi
uma pena, porque Repin toca
Franck com muita fluência e
gana de música.
Os bis foram circo. Um é
bom, dois é demais. Três já beira o disparate. Há concertos
que vão melhorando na memória, melhorando com o
tempo, como os vinhos e os
bons amigos. Há outros que
têm um pico de excelência na
hora e logo vão perdendo a textura, como os suflês e as universidades. A gente esquece logo de um concerto como esse
de Repin; mas fica esperando
ouvi-lo noutra ocasião, quem
sabe, para lembrar melhor.
(ARTHUR NESTROVSKI)
Avaliação:
Concerto: Vadim Repin (violino) e
Alexander Melnikov (piano)
Quando: hoje, às 21h
Onde: Cultura Artística (r. Nestor
Pestana, 196; tel. 0/xx/11/258-3616)
Quanto: de R$ 50 a R$ 100; tarifa
estudante (R$ 10) até 30 min antes
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