São Paulo, Quarta-feira, 15 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ERUDITO/CRÍTICA

Vadim Repin é virtuose do instrumento


da Redação

A primeira frase da "Sonata" de Mozart definiu o padrão do concerto: começou instigante, cresceu com força e finalizou com indecisão. O violino, aqui como no resto da noite, era o solista absoluto, contra o mero pano de fundo do piano.
Vadim Repin é um virtuose do instrumento, mais do que da imaginação, e teria muito a ganhar de um acompanhante à sua altura, o que não foi o caso anteontem no Cultura Artística, em São Paulo.
Era Hegel quem falava da música como a arte capaz de tornar "a interioridade inteligível a si mesma". Estava falando de Beethoven, mas poderia dizer o mesmo desse Mozart (1756-91) que faz de mi menor, aqui, uma tonalidade da consciência. Repin e Melnikov tocaram a sonata com cuidado, mais do que conforto.
O violinista tem um som cheio, senso de controle, arco natural, equilíbrio da forma, energia, ataque, bravura: a lista de virtudes é grande. Muitas vieram à tona na "Segunda Sonata", de Prokofiev (1891-1953).
É um músico sincero e direto. Reclamar que não seja ensaístico soa como reclamar que não seja insincero e indireto. Embora se sinta falta de alguma insinceridade na interpretação da "Sonata", escrita durante a guerra, para os ouvidos de Stálin, tanto quanto os nossos.
Ernest Chausson (1855-99) é um dos wagnerianos franceses do fim-de-século. Wagner ali se dilui em volutas e fumos, que podem ter a fineza sóbria de Debussy e Mallarmé, ou o abandono mais "fin-de-siècle" de Chausson e Franck. O "Poema, op. 25" de Chausson foi tocado por Repin e Melnikov com acento diferente. Não é só porque são russos que têm de tocar como russos, mas seu Chausson soou como um parente de Scriabin. Ganha em histeria; perde em sugestão.
Coube a Melnikov equilibrar o crédito, fazendo de Franck (1822-90) um Chausson. Mas a "Sonata em Lá Maior" é aberratoriamente difícil, e o pianista suou para pular os obstáculos. No último movimento, em particular, o número de notas erradas passou do limite do que não tem importância. Foi uma pena, porque Repin toca Franck com muita fluência e gana de música.
Os bis foram circo. Um é bom, dois é demais. Três já beira o disparate. Há concertos que vão melhorando na memória, melhorando com o tempo, como os vinhos e os bons amigos. Há outros que têm um pico de excelência na hora e logo vão perdendo a textura, como os suflês e as universidades. A gente esquece logo de um concerto como esse de Repin; mas fica esperando ouvi-lo noutra ocasião, quem sabe, para lembrar melhor.
(ARTHUR NESTROVSKI)


Avaliação:    
Concerto: Vadim Repin (violino) e Alexander Melnikov (piano)
Quando: hoje, às 21h
Onde: Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196; tel. 0/xx/11/258-3616)
Quanto: de R$ 50 a R$ 100; tarifa estudante (R$ 10) até 30 min antes


Texto Anterior: Antropofagia e batera fazem a diferença
Próximo Texto: Marcelo Coelho: Cia. do Latão ilumina a Razão no Centro Cultural
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.