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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
Wordsworth e a volta da natureza
Precursor de Walt Whitman, Wordsworth foi menos
o "poeta da natureza"
que o poeta do sublime
FEBRE DO verão americano, o
ensaio "O Mundo sem Nós"
("The World without Us",
Thomas Dunne Books), do jornalista especializado em ciências Alan
Weisman, projeta o cenário que se
seguiria a um hipotético desaparecimento repentino da espécie humana, batendo em retirada mágica,
sem tropeçar no estágio da ameaça
de extinção. Da selva de pedra à simples selva, o salto da volta seria rápido: galerias de metrô inundadas em
dois dias, asfalto cedendo em semanas, fogo generalizado nas cidades
em cinco anos, avenidas convertidas
em rios em 20, cervos, ursos e lobos
instalados em tocas urbanas em
300. Segundo o alarmismo informado de Weisman, com honrosa exceção do lixo envenenado, a natureza
varreria num piscar de olhos quase
todo nosso rastro civilizado.
Os leitores de William Wordsworth (1770-1850), que acaba de ganhar nova coletânea bilíngüe ("O
Olho Imóvel pela Força da Harmonia"), não podem deixar de se perguntar que poesia produziria o romântico inglês em resposta à paisagem sugerida por essa imaginária
revanche da natureza.
Protagonista de uma revolução
simplificadora na linguagem poética, voz precoce contra a alienação do
indivíduo na sociedade industrial,
dono de biografia movimentada que
vai do entusiasmo radical, in loco,
pela Revolução Francesa à vaidade
satisfeita de ver-se nomeado "Poeta
Laureado", em 1843, Wordsworth
foi menos o "poeta da natureza" que
o poeta do sublime, da emoção humana originada em sua contemplação quase religiosa.
Panteísta, precursor do transcendentalismo americano e de Walt
Whitman, foi capaz de enxergar nas
cidades uma extensão do mundo natural: "na Terra nada há de mais belo
a se ver/ Quem passa alheio é demente,/ À vista tão gloriosa e pungente:/ A Cidade exibe qual veste a
resplandecer/ O encanto da manhã:
silentes e desertos,/ Templos, teatros, barcos, torres e abóbadas/ Se
estendem aos campos e céus abertos" ("Escrito na Ponte Westminster, 3 de setembro de 1802").
As fases que marcaram sua relação com a paisagem -em especial a
da Região dos Lagos, ao norte da Inglaterra, colinas, sebes, a gente simples do campo- estão descritas no
poema-balanço, concebido às margens do rio Wye, "A Abadia Tintern".
Da empatia plena, na infância, à
aspiração, melancólica e saudosa, do
homem maduro, brotaram poemas
notáveis, como "Lucy Gray" ou "Solitário qual nuvem vaguei", selecionados pelos tradutores.
A boa antologia de Marsicano e
Milton vem se somar à pioneira de
Paulo Vizioli ("William Wordsworth: Poesia Selecionada", Mandacaru, 1988), com fragmentos de
"Prefácio às Baladas Líricas", documento inaugural do romantismo inglês, e de "Prelúdio", que incensa a
imaginação criadora e dão a medida
da força do poeta (mesmo ameaçada
de boiar nos túneis do metrô).
O OLHO IMÓVEL PELA FORÇA DA HARMONIA
Autor: William Wordsworth
Tradução: Alberto Marsicano e John Milton
Editora: Ateliê
Quanto: R$ 36 (144 págs.)
Avaliação: ótimo
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