São Paulo, sábado, 15 de setembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

Wordsworth e a volta da natureza

Precursor de Walt Whitman, Wordsworth foi menos o "poeta da natureza" que o poeta do sublime

FEBRE DO verão americano, o ensaio "O Mundo sem Nós" ("The World without Us", Thomas Dunne Books), do jornalista especializado em ciências Alan Weisman, projeta o cenário que se seguiria a um hipotético desaparecimento repentino da espécie humana, batendo em retirada mágica, sem tropeçar no estágio da ameaça de extinção. Da selva de pedra à simples selva, o salto da volta seria rápido: galerias de metrô inundadas em dois dias, asfalto cedendo em semanas, fogo generalizado nas cidades em cinco anos, avenidas convertidas em rios em 20, cervos, ursos e lobos instalados em tocas urbanas em 300. Segundo o alarmismo informado de Weisman, com honrosa exceção do lixo envenenado, a natureza varreria num piscar de olhos quase todo nosso rastro civilizado.
Os leitores de William Wordsworth (1770-1850), que acaba de ganhar nova coletânea bilíngüe ("O Olho Imóvel pela Força da Harmonia"), não podem deixar de se perguntar que poesia produziria o romântico inglês em resposta à paisagem sugerida por essa imaginária revanche da natureza.
Protagonista de uma revolução simplificadora na linguagem poética, voz precoce contra a alienação do indivíduo na sociedade industrial, dono de biografia movimentada que vai do entusiasmo radical, in loco, pela Revolução Francesa à vaidade satisfeita de ver-se nomeado "Poeta Laureado", em 1843, Wordsworth foi menos o "poeta da natureza" que o poeta do sublime, da emoção humana originada em sua contemplação quase religiosa.
Panteísta, precursor do transcendentalismo americano e de Walt Whitman, foi capaz de enxergar nas cidades uma extensão do mundo natural: "na Terra nada há de mais belo a se ver/ Quem passa alheio é demente,/ À vista tão gloriosa e pungente:/ A Cidade exibe qual veste a resplandecer/ O encanto da manhã: silentes e desertos,/ Templos, teatros, barcos, torres e abóbadas/ Se estendem aos campos e céus abertos" ("Escrito na Ponte Westminster, 3 de setembro de 1802").
As fases que marcaram sua relação com a paisagem -em especial a da Região dos Lagos, ao norte da Inglaterra, colinas, sebes, a gente simples do campo- estão descritas no poema-balanço, concebido às margens do rio Wye, "A Abadia Tintern".
Da empatia plena, na infância, à aspiração, melancólica e saudosa, do homem maduro, brotaram poemas notáveis, como "Lucy Gray" ou "Solitário qual nuvem vaguei", selecionados pelos tradutores.
A boa antologia de Marsicano e Milton vem se somar à pioneira de Paulo Vizioli ("William Wordsworth: Poesia Selecionada", Mandacaru, 1988), com fragmentos de "Prefácio às Baladas Líricas", documento inaugural do romantismo inglês, e de "Prelúdio", que incensa a imaginação criadora e dão a medida da força do poeta (mesmo ameaçada de boiar nos túneis do metrô).


O OLHO IMÓVEL PELA FORÇA DA HARMONIA
Autor:
William Wordsworth
Tradução: Alberto Marsicano e John Milton
Editora: Ateliê
Quanto: R$ 36 (144 págs.)
Avaliação: ótimo


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Fabiana Cozza lança CD em que aprofunda lado afro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.