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Mostra de SP
Alô, cinema
Criador da Mostra de SP, Leon Cakoff fala da 30ª edição
do evento e lembra momentos marcantes de sua trajetória
Evento começa na próxima sexta, dia 20; "A cidade acha que tenho a obrigação de fazer o festival. Isso é que é chocante", diz diretor
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Desde o início de setembro,
Leon Cakoff, 58, vive quase exclusivamente para o emprego
que criou, o de diretor da Mostra Internacional de Cinema.
Acorda às 7h, vê filmes em casa
até 10h e depois segue para o
escritório de produção do
evento, onde costuma ficar até
meia-noite. Vai dormir às 2h.
"Cresceu muito a Mostra,
né?", diz Cakoff em entrevista à
Folha, pouco mais de duas semanas antes da abertura da 30ª
edição, na próxima sexta. "É
uma responsabilidade, mais do
que um emprego. A cidade inteira acha que tenho a obrigação de fazer a Mostra. Isso é
que é chocante."
Não por acaso, Cakoff alterna os sujeitos "eu" e "Mostra"
ao falar das 29 edições anteriores e do que, depois de muita
insistência, considera destaques da 30ª edição. "Indicações? Não posso dar. É o que
mais me frustra." A seguir, Cakoff relembra passagens marcantes da história da Mostra.
ORIGEM DA MOSTRA
Nasceu um pouco como auto-ajuda. Queria resolver o meu
problema de cinéfilo. Não tinha
mais o que ver aqui. Havia censura, medo, distribuidores sendo prejudicados, parando. Eu
era crítico de cinema. Em 1971,
voltei alucinado do Festival de
Cannes. Queria que aquelas
coisas chegassem aqui.
Fazíamos sessões clandestinas no subsolo do cine Belas
Artes. Anunciávamos uma coisa, cumpríamos e, depois do
horário, continuávamos por lá.
Vimos todos os [Sergei] Eisenstein assim. Acompanhava também a programação de cinema
do Masp, que parou em 1973.
Algum tempo depois, fui propor algo ao [Pietro Maria] Bardi, diretor do museu.
"Vamos fazer uma pré-estréia", ele disse. Descobri aqui
uma cópia de um "Goya" russo.
O Bardi ficou alucinado. Trouxe da casa dele dois quadros de
Goya, desceu outro do acervo.
Quis fazer uma instalação. Daí
para a frente foi um sucesso.
Usei muito as malas diplomáticas, pedi apoio a todas as embaixadas. Deu certo. Fazia ciclos de novo cinema iugoslavo,
canadense, belga, francês. Legendas? Nada. Era um sacrifício coletivo. Eram legendados
em espanhol, na maioria. As
pessoas encaravam. Ficava
gente deitada no chão.
PRIMEIRA EDIÇÃO
Em 1977, o Bardi me pediu
para inventar algo em comemoração dos 30 anos do museu.
Sugeri a Mostra, como é até hoje, com o público como júri. Era
meio inocente. Se eu conseguir
juntar 20 filmes, pensei, já estaria ótimo. Achava a palavra
"festival" muito pomposa. Escolhi "mostra" por ser mais
abrangente, informativa.
Submetíamos os filmes à
censura. Nunca pediram cortes, mas interditaram um filme
chinês que eu escolhi de tão
kitsch que era, "Brotos", uma
criação coletiva. Acharam que
era propaganda comunista.
Burrice. Aquilo ridicularizaria
o regime chinês.
SAÍDA DO MASP
Eu não podia contratar assistentes e, quando contratava,
eram bombardeados. Não tinha recursos. Um dia, em 1984,
o Bardi me disse: "Pára com a
Mostra porque a diretoria é
contra". Eu tinha aberto uma
microempresa para fazer um
filme que não saiu, peguei o papel timbrado, a minha Práxis e
bati uma carta para ele, dizendo
que o Masp precisaria contratar a minha empresa para organizar a Mostra. Ele ficou bravo
e me intimou a conversar com
os advogados da diretoria. Falei
que não tinha dinheiro para pagar advogados e que, com certeza, eles ganhariam. "E sabe o
que vai acontecer?", disse. "Vou
fazer a Bostra. Vocês ficam com
a Mostra, eu fico com a Bostra."
Então, o santo do [Gianfrancesco] Guarnieri, então secretário municipal de Cultura, me
deu um canto no edifício Martinelli e um ramal de telefone
que eu nunca conseguia usar.
CENSURA
Começamos a peitar a censura. Existia um certificado especial de liberação, mas as pessoas tinham medo de pedir. Eu
usava. Liberava "O Império dos
Sentidos", "Saló". Em 1984,
chamei um advogado que liberava filmes pornôs. "Quer defender uma boa causa?", perguntei. "Quero abrir um processo contra a União para liberar todos os filmes sem censura
prévia." Ganhamos. Depois, a
Mostra foi interrompida por
um mandato. Sentiram que a
coisa repercutiu e quiseram
voltar atrás. Fizemos os censores verem todos os filmes que já
haviam passado. Eu saía da sala
e eles falavam para os operadores: "Põe só o último rolo, é mera formalidade". Para a 9ª Mostra, fui conversar com o Fernando Lyra, ministro da Justiça do governo Sarney, que assinou portaria acabando com a
censura em festivais.
30ª MOSTRA
Os "Diários" de David Perlov
são muito legais. A retrospectiva do cinema político italiano é
muito boa como resgate de memória, assim como a do Joaquim Pedro de Andrade. Gosto
de ficar nesses exemplos porque são menos comprometedores. Tem ainda o "Cabiria" restaurado pelo João Sócrates,
formado aqui em São Paulo, e
que hoje é o papa do restauro
no mundo. Tem um média-metragem belga, "A Verdade do
Gato", feito no interior de
Goiás ou de Mato Grosso. É
uma obra-prima. E o antepenúltimo curta a que assisti para
a seleção, "I Want to Be a Pilot",
me fez chorar, fez chorar a Renata [de Almeida, mulher de
Cakoff, produtora e diretora de
programação da Mostra] e foi
parar na sessão de abertura.
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