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Crítica
Livro luta contra auto-ajuda, mas resulta anódino
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Cordilheira" é o
romance de Daniel Galera escrito para o projeto "Amores
Expressos". Como não é possível deixar de saber, o tal
projeto deu a alguns autores
brasileiros uma "missão":
"escrever uma história de
amor ambientada em uma
cidade ao redor do planeta".
Supondo desde logo que nenhum leitor da Ilustrada esteja em idade de acreditar na
relevância literária da
"idéia", é certo, porém, que
ela não impossibilita que resulte daí alguma boa prosa,
por conta exclusiva do talento do autor envolvido.
Em "Cordilheira", Anita é
uma jovem escritora, que, a
despeito do sucesso de seu
primeiro livro, já não se interessa por literatura e apenas
cuida do desejo inadiável de
gerar um filho. Movida pela
idéia fixa, rompe com o namorado reticente em se tornar pai e acaba indo meio
sem saber por que para Buenos Aires, com passagem e
estada pagas pela editora
que lança lá o seu livro.
Após vários passeios solitários por pontos turísticos
da cidade -será este um lugar comum incontornável da
"missão" recebida?-, Anita
é abordada por certo "Holden" (Salinger implícito, claro). Tratava-se de um fã que
chamara a sua atenção já no
dia do lançamento do livro.
Aos poucos, o moço revela
ser o líder de uma seita de
autores, cujos membros se
dedicavam a viver literalmente a história das personagens dos livros que escreviam. No momento do desfecho dessas aventuras de imitação havia até um ritual: os
autores faziam um corte no
polegar, deixavam pingar
sangue nas páginas do livro
que imitavam e, enfim, ateavam-lhe fogo ao mesmo
tempo em que se lançavam
ao seu "grand finale".
Nesse ponto, o leitor tem
direito de imaginar que os
portenhos criados por Galera estão mais para jogadores
de RPG que para escritores.
E Anita, de fato, os vê com
ironia e distância. O que
quer, já sabemos, é um filho.
Tolera as literatices pomposas do bando na esperança
de que Holden faça a coisa
certa e a engravide.
Do enredo é o que basta
saber, se já estiver claro que
o livro encena o confronto
entre duas posições aparentemente extremas. Uma, que
renuncia de bom grado à literatura em favor da procriação e da vida amorosa familiar; outra, que não deseja fazer da vida senão o suporte real da literatura.
No desenrolar do confronto, Galera evidencia, porém,
que a obsessão pela maternidade possui um componente
tão ficcional e bizarro quanto o que movia os literatos. O
sonho da gestação se revela
como uma forma de pânico,
ou ao menos de incapacidade de aceitar o tempo próprio do vivido. Será preciso
acentuar o quanto tudo isso
tem de matéria edificante ou
de potencial de auto-ajuda?
Galera nem quer que seja
assim. Pode-se dizer que luta
contra isso ao longo do romance, adotando um tom
que cola às personagens para
logo ganhar distância delas.
O resultado é um texto ao
mesmo tempo fluente, anódino e submetido a previsíveis "filosofias de vida". Anita, a despeito da vontade do
autor, acaba também ela por
encarnar a narrativa de um
"nós" sentencioso e mezzo-psicanalizante.
ALCIR PÉCORA é professor da Unicamp
CORDILHEIRA
Autor: Daniel Galera
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 37 (176 págs.)
Avaliação: regular
Lançamento: seg., 27/7, às 19h, na
Mercearia São Pedro (r. Rodésia,
34, tel. 3815-7200)
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