São Paulo, Segunda-feira, 15 de Novembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Queen, Nirvana, Sepultura, "Clube da Luta", "Arquivo X" e, claro, Foo Fighters; Dave Grohl (líder, guitarrista e vocal) e Taylor Hawkins (baterista) falam à Folha sobre o poderoso "There Is Nothing Left to Lose", o mais novo CD da banda, que atinge hoje as lojas brasileiras
O rock sem nada a perder

LÚCIO RIBEIRO
enviado especial a Miami

Na era da incerteza em que vive o rock, uma banda como a americana Foo Fighters é sempre um ótimo motivo para fazer as pazes com o gênero.
Chateado com as guitarras contemporâneas? Dê a elas uma chance adquirindo o álbum "There Is Nothing Left to Lose", o terceiro do Foo Fighters, que aterrissa hoje nas lojas brasileiras em edição nacional.
Recém-lançado na América, o disco da banda liderada pelo figura Dave Grohl já é uma lenda dentro do melhor que o rock produziu nos últimos anos.
A banda tem, além de Dave, o baterista Taylor Hawkins (ex-Alanis Morissette), o baixista Nate Mendel (ex-Sunny Day Real Estate) e o meio-integrante Chris Shiflett (ex-No Use For a Name), guitarrista para as performances ao vivo.
Dave Grohl é caso à parte. O rapaz integrava nos anos 80 a bacana banda Scream, de Washington D.C., até ser convocado pelo telefone para tocar bateria no principal (consenso, consenso) grupo de rock da década, o Nirvana, de Kurt Cobain.
Passada a avalanche Nirvana, Grohl montou o Foo Fighters, em 1995, empunhando agora a guitarra e assumindo a condição de band leader (no primeiro CD do grupo, homônimo, Grohl tocou sozinho guitarra, bateria, baixo e cantou).
Em 1997, a banda voltou a balançar o cenário com "The Colour and the Shape", CD de ótimas músicas, um punhado de descolados videoclipes e inesquecíveis performances ao vivo.
E eis que agora chega "There Is Nothing Left to Lose", motivo de celebração pop.
No mínimo porque o novo disco já botou a canção "Learn to Fly" na programação das rádios de rock brasileiras. Para alívio dos ouvidos, a música já rouba um pouco o espaço destinado ultimamente a coisas como a romântica do Jota Quest, Legião cantando Menudo, Titãs se fazendo de Mamonas e o último hit tupiniquim, "Anna Júlia".
A função do Foo Fighters é essa mesma. Tentar compor a equação improvável, hoje em dia, que é bom som mais honestidade mais uma garra contagiante, capaz de levar muito moleque a montar sua bandinha de garagem.
Sim, porque Foo Fighters move. Em 95, uma horda de fãs se esmagava para ver a primeira apresentação da banda na Inglaterra, na tenda que abriga o palco secundário do Reading Festival. O lugar estava muito mais abarrotado que o principal, onde cantava a islandesa Björk. A cada intervalo de música, Dave Grohl pedia efusivamente calma a platéia, porque senão ia ter que parar o show.
Em 97, em um show de lançamento do "The Colour and the Shape" na megaloja Virgin, em Nova York, a banda quase fez o prédio gigante vir abaixo. Seguranças pararam o show e tiraram um terço do público do lugar, para o show poder continuar. Discos e livros não paravam de cair das prateleiras.
E há poucos dias, no final de outubro passado, em apresentação presenciada pela Folha em Miami, uma multidão se apertou para ouvir ao vivo as novas canções de Dave Grohl e cia., em um festival para uma emissora de rádio local. Ondas humanas iam e vinham. Espremidos, garotos e garotas passavam mal. Fim do Foo Fighters, pouca gente ficou para o restante das atrações.
Horas antes da apresentação em Miami, o guitarrista Dave Grohl e o baterista Taylor Hawkins concederam entrevista exclusiva à Folha, para falar do novo disco.

Taylor Hawkins - Antes, me fala uma coisa: diga que você esteve no show do Queen no Brasil, em 1981, no estádio do São Paulo.

Folha - Estive.

Taylor - Deve ter sido incrível, não? Muita gente me fala desse show.

Folha - Foi legal. Imagine o estádio inteiro, umas 100 mil pessoas, cantando "Love of My Life"...

Taylor - Você chorou? Eu choraria.

Dave Grohl - Ele está falando sério.

Folha - Quanto ao Foo Fighters, por que o nome do disco é "There Is Nothing Left to Lose" (Não Há Nada a Perder)? Há algum sentido negativo nele?
Dave -
Diferentemente do que parece, é um sentimento positivo nosso, atual, que diz respeito até a esse novo disco. Quando estamos nos dedicando muito para um causa qualquer, atrás de um objetivo, quer dizer que, enquanto não conquistamos esse objetivo, o pensamento é: "Vamos até o fim. Não há nada a perder".

Folha - Sobre as gravações, é verdade que vocês se trancaram em um estúdio em sua casa e só botaram a cara para fora com o CD pronto?
Grohl -
Não foi bem assim. Construí um estúdio no porão da minha casa, na Virgínia, nas imediações de Washington D.C. Começamos as gravações do disco em março, abril. Ficamos trancados no sentido de nos dedicar ao disco. Não de estarmos preso, com pressão para acabar. Iríamos levar o tempo que fosse, sem uma data certa para entregar o disco.
Fomos para lá sem nada preparado: sem músicas, sem letras. E foi legal porque, se eu quisesse ensaiar as guitarras de manhã, o Taylor pôr a bateria de madrugada, o Nate tocar baixo no fim de tarde, éramos livres para fazer.
Tínhamos lá tudo o que queríamos, mesa de som, os instrumentos todos. Tudo no velho estilo, simples: nada de computadores ou equipamento de alta tecnologia. Usamos microfones velhos, essas coisas.
Tudo funcionava como uma fabriquinha. Tinha hora que eu gravava uma fita de algumas músicas e ficava no meu quarto bolando as letras. Nate gravava outra e ficava na sala, estudando o baixo. Enquanto isso, Taylor ficava no porão (estúdio), compondo a bateria. De vez em quando, nos encontrávamos na cozinha, na hora de comer. Depois trocávamos. Era minha vez de ir ao estúdio. E o Taylor, então, ia para o quarto dele. Depois nos reuníamos para tomar cerveja, tocar, botar os vocais, e aí a música estava pronta.
Foi diferente. Foi bem legal, divertido.

Taylor - Foi diferente, legal, mas para mim, particularmente, teve um componente de paranóia, também. Fiquei tão ansioso para ver o disco pronto que eu não conseguia dormir mais.
O Dave chegou a me dizer: "Sua parte está acabada. Você pode ir para casa. Quando o disco estiver pronto, mixado, nos reunimos de novo.
Mas eu não fui. Fiquei lá com ele até o fim. Mas aí, quando acabou, comecei a não dormir.
Entrei em crise, sei lá. Fiquei parecido com o personagem do Edward Norton em "Clube da Luta".
Estava igualzinho ao Norton. Procurando alguma coisa para me livrar daquele inferno. Só que não ia visitar deficientes e gente que estava para morrer. Mas eu estava enlouquecendo. Quase enlouqueci mesmo quando eu vi o filme. Minha namorada me levou até em terapia. Cheguei a tentar hipnose.

Dave - Hipnose? Sério? Você nunca me contou. (Risos.)

Taylor - Não queria encher você com essa história. O cara me deu uma fita que eu tinha que levar para todo lugar e escutar. Você lembra aquela parte do "Clube da Luta" em que um sujeito diz: "Entre em sua caverna". É esse o tipo de merda que tinha na fita. De qualquer modo, logo eu perdi essa fita. E só há pouco mais de um mês comecei a dormir normalmente, depois de muito tempo adormecer só por uma hora e meia, duas por dia, no máximo.

Folha - No final das contas, quanto tempo duraram as gravações do disco?
Taylor -
Ao todo foram quatro meses. Os primeiros dois meses e meio foram uma preparação. Ficávamos trabalhando as canções, gravando a mesma música mais de cinco vezes diferentes, até descobrir o que realmente queríamos desse disco.
Nenhuma música, posso garantir, ficou pronta no primeiro mês, mês e meio. Achávamos que uma canção tinha ficado pronta. Um mês depois, voltávamos a tocá-la e aí mudávamos tudo.

Dave - Foi cansativo, mas faria tudo de novo. No final, esse disco saiu de um jeito que até eu compraria na loja. Com o certeza é o melhor Foo Fighters.



O jornalista Lúcio Ribeiro viajou a Miami a convite da gravadora BMG



Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: "Iremos tocar no Brasil; está nos planos"
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.