São Paulo, domingo, 15 de novembro de 2009

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Crítica/DVD/"Short Cuts - Cenas da Vida"

Filme-mosaico com dramas cotidianos é ponto alto na obra de Robert Altman

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

"Na segunda de manhã, o garoto aniversariante estava indo para a escola com outro garoto. Um saco de batata frita passava de uma mão para a outra e o aniversariante tentava descobrir o que seu amigo ia lhe dar de presente naquela tarde. Distraído, o aniversariante pisou em falso no meio-fio, num cruzamento, e foi imediatamente atropelado por um carro."
Extraído do conto "Uma Coisinha Boa", o trecho acima ilustra o estilo seco de observação do cotidiano que caracterizava o norte-americano Raymond Carver (1939-1988).
Literatura sobre o fio perigoso das coisas, sempre à espreita dos protagonistas, ela forneceu valiosa matéria-prima para outro notável cronista dos EUA em "Short Cuts - Cenas da Vida" (1993).
"Vejo toda a obra de Carver como se fosse apenas uma história, pois seus contos são todos ocorrências, todos apenas sobre coisas que acontecem ao personagens e fazem com que sua vida mude de rumo", explica Robert Altman (1925-2006) na introdução à coletânea, publicada no Brasil com o mesmo título (mas que, em tradução literal, significa "atalhos").

Cruzamentos
Altman e o roteirista Frank Barhydt trabalharam sobre nove contos e um poema de Carver, em exemplar trabalho de garimpagem que cruza personagens e situações, faz mudanças importantes e cria ao menos duas figuras cruciais.
Por meio delas -uma cantora (Annie Ross) e sua filha, uma violoncelista (Lori Singer)-, o filme ganha música, usada não apenas para pontuar dramaticamente as cenas.
Como em "Magnólia" (1999, de Paul Thomas Anderson), cuja estrutura foi inspirada em "Short Cuts", as canções funcionam como comentários aos dramas vividos pelos personagens e se integram à ação de tal forma que o mosaico respeita o andamento da música.
Duas dezenas de trajetórias são costuradas nos subúrbios de Los Angeles, como se o filme "erguesse os telhados" de casas, na imagem do próprio Altman, para bisbilhotar o que ocorre.
Não era um procedimento original, nem mesmo na filmografia do próprio cineasta, mas acabou fazendo escola e deu origem a diversas "homenagens" e imitações.
Inserido na obra de Altman em momento de alta no seu prestígio internacional, entre uma fábula ácida sobre Hollywood ("O Jogador", 1992) e um comentário irônico sobre o mundo da moda ("Prêt-à-Porter", 1994), "Short Cuts" dividiu o Leão de Ouro em Veneza com "A Liberdade É Azul", do polonês Krzysztof Kieslowski.
Que belo festival.


SHORT CUTS - CENAS DA VIDA Distribuidora: Lume
Quanto: R$ 39,90 (16 anos)
Avaliação: ótimo



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