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Crítica/DVD/"Short Cuts - Cenas da Vida"
Filme-mosaico com dramas cotidianos é ponto alto na obra de Robert Altman
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
"Na segunda de manhã, o garoto aniversariante estava
indo para a escola com outro
garoto. Um saco de batata frita
passava de uma mão para a outra e o aniversariante tentava
descobrir o que seu amigo ia
lhe dar de presente naquela tarde. Distraído, o aniversariante
pisou em falso no meio-fio,
num cruzamento, e foi imediatamente atropelado por um
carro."
Extraído do conto "Uma Coisinha Boa", o trecho acima ilustra o estilo seco de observação
do cotidiano que caracterizava
o norte-americano Raymond
Carver (1939-1988).
Literatura sobre o fio perigoso das coisas, sempre à espreita
dos protagonistas, ela forneceu
valiosa matéria-prima para outro notável cronista dos EUA
em "Short Cuts - Cenas da Vida" (1993).
"Vejo toda a obra de Carver
como se fosse apenas uma história, pois seus contos são todos ocorrências, todos apenas
sobre coisas que acontecem ao
personagens e fazem com que
sua vida mude de rumo", explica Robert Altman (1925-2006)
na introdução à coletânea, publicada no Brasil com o mesmo
título (mas que, em tradução literal, significa "atalhos").
Cruzamentos
Altman e o roteirista Frank
Barhydt trabalharam sobre nove contos e um poema de Carver, em exemplar trabalho de
garimpagem que cruza personagens e situações, faz mudanças importantes e cria ao menos duas figuras cruciais.
Por meio delas -uma cantora (Annie Ross) e sua filha, uma
violoncelista (Lori Singer)-, o
filme ganha música, usada não
apenas para pontuar dramaticamente as cenas.
Como em "Magnólia" (1999,
de Paul Thomas Anderson), cuja estrutura foi inspirada em
"Short Cuts", as canções funcionam como comentários aos
dramas vividos pelos personagens e se integram à ação de tal
forma que o mosaico respeita o
andamento da música.
Duas dezenas de trajetórias
são costuradas nos subúrbios
de Los Angeles, como se o filme
"erguesse os telhados" de casas,
na imagem do próprio Altman,
para bisbilhotar o que ocorre.
Não era um procedimento
original, nem mesmo na filmografia do próprio cineasta, mas
acabou fazendo escola e deu
origem a diversas "homenagens" e imitações.
Inserido na obra de Altman
em momento de alta no seu
prestígio internacional, entre
uma fábula ácida sobre Hollywood ("O Jogador", 1992) e um
comentário irônico sobre o
mundo da moda ("Prêt-à-Porter", 1994), "Short Cuts" dividiu o Leão de Ouro em Veneza
com "A Liberdade É Azul", do
polonês Krzysztof Kieslowski.
Que belo festival.
SHORT CUTS - CENAS DA VIDA
Distribuidora: Lume
Quanto: R$ 39,90 (16 anos)
Avaliação: ótimo
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