São Paulo, domingo, 15 de novembro de 2009

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BIA ABRAMO

Juventude em dois tempos


"Malhação ID" coloca jovens "típicos" às voltas com questões de uma identidade impossível

EM 1978 , estreava "Ciranda Cirandinha". Era uma série sobre quatro jovens, ensaiando entrar na idade adulta, que acabam indo todos morar no mesmo apartamento. Ali, na virada dos anos 70 para os 80, a questão era: como entrar na vida adulta sem renegar a transgressão hippie? Ou, em outras palavras, como não encaretar e tomar os pais conservadores como modelo?
O autor principal era Paulo Mendes Campos, e entre os colaboradores estava, por exemplo, Domingos de Oliveira. Os jovens eram interpretados por Lucélia Santos, Fábio Jr., Denise Bandeira e Jorge Fernando. Era ótima, a série. O dilema principal dos quatro personagens não era, de maneira nenhuma, conduzido de forma a simplificar a questão.
Em outras palavras, os personagens eram cindidos entre uma identidade histórica e uma identidade possível.
Apesar da qualidade da série (que foi lançada em DVD no ano passado), ela não foi bem de audiência e foi encerrada depois do sétimo episódio. Talvez fosse um tanto amarga para os jovens aos quais se dirigia, talvez fosse careta demais para os ainda hippies e avançada demais para os que eram caretas.
Na última semana, estreou uma nova encarnação da novelinha adolescente que está há 14 anos no ar, "Malhação ID" (de segunda a sexta, às 17h25; classificação não informada). Desde as primeiras cenas, há uma espécie de efeito túnel do tempo: o protagonista é Fiuk, vivido pelo filho de Fábio Jr., muitíssimo parecido com o pai e também ligado à música, como o pai.
Mas, de resto, quanta diferença! Como as versões anteriores, "Malhação ID" reúne aquilo que a emissora acha que são jovens, de alguma forma, típicos. E o são mesmo, mas não de grupos sociais e juvenis concretos, com alguma referência no real, e, sim, como representantes de uma agenda de questões juvenis formulada pelo mundo adulto e publicitário. Esses jovens vão estar, dizem, também às voltas com questões de identidade -mas como falar em identidade se tudo o que há é uma descrição rasa de tipos?
Há diferenças gigantescas entre a série dos anos 70 e a novelinha, é claro. Os tempos são mesmo outros -o inconformismo saiu de moda, o modelo dos pais é mais adotado e aperfeiçoado do que contestado, o mundo do consumo tem um tamanho e uma importância inimagináveis em relação a 30 anos atrás, só para citar alguns pontos.
Mas o fato de "Malhação" persistir no ar por década e meia e "Ciranda Cirandinha" ter durado tão pouco fala muito sobre a televisão e sua aversão àquilo que é menos simples.

biabramo.tv@uol.com.br


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