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CINEMA
Livro de Paulo Lins, que mostra o cotidiano de uma favela no Rio, será filmado por Fernando Meirelles
Violenta, Cidade de Deus vai ao cinema
CRISTIAN AVELLO CANCINO
free-lance para Folha
O best seller "Cidade de Deus"
(Cia. das Letras), do carioca Paulo
Lins, vai virar filme pelas mãos de
Fernando Meirelles, co-diretor do
longa-metragem "O Menino Maluquinho 2 - A Aventura".
Trata-se do primeiro longa autoral de Meirelles, que também
toca o projeto de "Domésticas",
cujas filmagens deverão ser concluídas em fevereiro do ano que
vem. Já "Cidade de Deus" começa
a ser rodado no final de 2000, mas
a captação de R$ 3 milhões, o valor total do orçamento, já começou.
No projeto, uma parceria entre
a O2 Filmes e a VideoFilmes, produtora de João Moreira Salles, as
550 páginas de "Cidade de Deus"
estarão condensadas num roteiro
ágil, assinado por Braulio Mantovani, com 110 páginas.
Deixando os números de lado,
Meirelles conta detalhes do projeto: "Acabamos fechando o eixo
em dois personagens. O desafio
era escolher o que dispensar no livro de Lins, que é tão rico de
ações, tão claro. Ele até se espantou quando leu o roteiro, ficou
surpreso dizendo que aquele não
era o seu livro".
Lins, no entanto, contou à Folha: "Quanto mais os caras viajarem, se sentirem livres para fazerem o que bem quiserem no filme, melhor".
O roteiro de "Cidade de Deus"
já goza de boa reputação. Foi selecionado para o 3º Laboratório de
Roteiros do Sundance Festival e
ganhou concurso promovido pela Motion Pictures Association
and Writers Guild of America
deste ano, no qual foram inscritos
261 projetos.
A polarização das ações deverá
ficar por conta dos personagens
Buscapé e Dadinho, dois meninos, moradores de um conjunto
habitacional de Cidade de Deus,
na periferia carioca, que se tornam, respectivamente, fotógrafo
e traficante.
A seguir, Paulo Lins fala sobre o
interesse do cinema pela violência
social do país, sobre mídia e desinformação.
Folha - O interesse de duas
produtoras grandes por seu livro, os documentários sobre os
morros cariocas de João Moreira
Salles, "Orfeu", de Cacá Diegues, também no morro, tudo
isso não indica um maior interesse pela violência, por mostrar o cotidiano miserável das
favelas brasileiras?
Paulo Lins - Não. Não está havendo nenhum boom de interesse
pela violência na arte. Os artistas
sempre falaram dela. Bom, o que
acontece é que hoje a violência está mais forte, está aí interessando
a todos como sempre interessou
aos artistas. Porém, somente agora é que a mídia e a universidade
estão discutindo mais esse problema, depois dos sequestros,
quando a violência transcendeu a
favela, desceu o morro. Enquanto
tinha só pobre se matando ninguém ligava, a classe média e a elite não estavam nem aí, não estão
vendo como as chacinas da periferia de São Paulo viraram apenas
estatísticas.
Folha - Não é curioso que o lugar da violência nas capitais seja o universo aglutinado da favela, um núcleo unido pelo imaginário comum, pelo samba, pelo candomblé, onde as pessoas
estão próximas?
Lins - É justamente por isso,
porque as pessoas estão muito
perto umas das outras, sem privacidade e, ainda, com fome, doentes, desinformadas, sem educação, apodrecendo nas drogas e no
alcoolismo, por isso se matam
com tamanha banalidade.
Folha - Por que elas estão tão
desinformadas?
Lins - Por causa dos maus tratos
que se vem dando aos pobres brasileiros. A desinformação é tão
grave quanto a falta de alimento.
O pessoal é semi-analfabeto, não
tem acesso ao cinema, à literatura,
às artes plásticas, a uma boa escola.
Folha -O sr. venderia os direitos autorais de seu livro para a
televisão, para que se fizesse,
por exemplo, uma série na Rede
Globo?
Lins - Claro. A TV também precisa do cinema brasileiro, de literatura, de artes. A TV aberta não
dá "sustança" para a cabeça de
ninguém. A TV brasileira é pornográfica. Ela serve mais para alimentar a masturbação da garotada e criar ilusões nos adultos do
que para informar. É um tipo de
entretenimento sem nenhuma
responsabilidade.
Folha - E o sr. acha que a gente
da favela vai assistir ao filme
"Cidade de Deus"?
Lins - O filme, sim. O cinema,
apesar de ser de pouca penetração, tem mais do que a literatura.
Já o livro ninguém leu mesmo.
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