São Paulo, Quarta-feira, 15 de Dezembro de 1999


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CINEMA
Livro de Paulo Lins, que mostra o cotidiano de uma favela no Rio, será filmado por Fernando Meirelles
Violenta, Cidade de Deus vai ao cinema

CRISTIAN AVELLO CANCINO
free-lance para Folha

O best seller "Cidade de Deus" (Cia. das Letras), do carioca Paulo Lins, vai virar filme pelas mãos de Fernando Meirelles, co-diretor do longa-metragem "O Menino Maluquinho 2 - A Aventura".
Trata-se do primeiro longa autoral de Meirelles, que também toca o projeto de "Domésticas", cujas filmagens deverão ser concluídas em fevereiro do ano que vem. Já "Cidade de Deus" começa a ser rodado no final de 2000, mas a captação de R$ 3 milhões, o valor total do orçamento, já começou.
No projeto, uma parceria entre a O2 Filmes e a VideoFilmes, produtora de João Moreira Salles, as 550 páginas de "Cidade de Deus" estarão condensadas num roteiro ágil, assinado por Braulio Mantovani, com 110 páginas.
Deixando os números de lado, Meirelles conta detalhes do projeto: "Acabamos fechando o eixo em dois personagens. O desafio era escolher o que dispensar no livro de Lins, que é tão rico de ações, tão claro. Ele até se espantou quando leu o roteiro, ficou surpreso dizendo que aquele não era o seu livro".
Lins, no entanto, contou à Folha: "Quanto mais os caras viajarem, se sentirem livres para fazerem o que bem quiserem no filme, melhor".
O roteiro de "Cidade de Deus" já goza de boa reputação. Foi selecionado para o 3º Laboratório de Roteiros do Sundance Festival e ganhou concurso promovido pela Motion Pictures Association and Writers Guild of America deste ano, no qual foram inscritos 261 projetos.
A polarização das ações deverá ficar por conta dos personagens Buscapé e Dadinho, dois meninos, moradores de um conjunto habitacional de Cidade de Deus, na periferia carioca, que se tornam, respectivamente, fotógrafo e traficante.
A seguir, Paulo Lins fala sobre o interesse do cinema pela violência social do país, sobre mídia e desinformação.

Folha - O interesse de duas produtoras grandes por seu livro, os documentários sobre os morros cariocas de João Moreira Salles, "Orfeu", de Cacá Diegues, também no morro, tudo isso não indica um maior interesse pela violência, por mostrar o cotidiano miserável das favelas brasileiras?
Paulo Lins -
Não. Não está havendo nenhum boom de interesse pela violência na arte. Os artistas sempre falaram dela. Bom, o que acontece é que hoje a violência está mais forte, está aí interessando a todos como sempre interessou aos artistas. Porém, somente agora é que a mídia e a universidade estão discutindo mais esse problema, depois dos sequestros, quando a violência transcendeu a favela, desceu o morro. Enquanto tinha só pobre se matando ninguém ligava, a classe média e a elite não estavam nem aí, não estão vendo como as chacinas da periferia de São Paulo viraram apenas estatísticas.

Folha - Não é curioso que o lugar da violência nas capitais seja o universo aglutinado da favela, um núcleo unido pelo imaginário comum, pelo samba, pelo candomblé, onde as pessoas estão próximas?
Lins -
É justamente por isso, porque as pessoas estão muito perto umas das outras, sem privacidade e, ainda, com fome, doentes, desinformadas, sem educação, apodrecendo nas drogas e no alcoolismo, por isso se matam com tamanha banalidade.

Folha - Por que elas estão tão desinformadas?
Lins -
Por causa dos maus tratos que se vem dando aos pobres brasileiros. A desinformação é tão grave quanto a falta de alimento. O pessoal é semi-analfabeto, não tem acesso ao cinema, à literatura, às artes plásticas, a uma boa escola.

Folha -O sr. venderia os direitos autorais de seu livro para a televisão, para que se fizesse, por exemplo, uma série na Rede Globo?
Lins -
Claro. A TV também precisa do cinema brasileiro, de literatura, de artes. A TV aberta não dá "sustança" para a cabeça de ninguém. A TV brasileira é pornográfica. Ela serve mais para alimentar a masturbação da garotada e criar ilusões nos adultos do que para informar. É um tipo de entretenimento sem nenhuma responsabilidade.

Folha - E o sr. acha que a gente da favela vai assistir ao filme "Cidade de Deus"?
Lins -
O filme, sim. O cinema, apesar de ser de pouca penetração, tem mais do que a literatura. Já o livro ninguém leu mesmo.


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