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TEATRO/CRÍTICA
"Letti e Lotte" põe em discussão a função da própria dramaturgia
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
O início da peça "Letti e Lotte", com direção de Bibi Ferreira, tem um pretenso ritmo de
videoclipe. Pequenas cenas são
entremeadas por uma voz que
anuncia os créditos do espetáculo,
uma solução bastante entediante,
que tira o ritmo da peça logo no
começo.
Mas, quando o espetáculo deslancha de fato, domina a cena o
inteligente e instigante texto de
Peter Shaffer, o dramaturgo britânico que escreveu também "Amadeus", transposto para o cinema
pelo diretor Milos Forman, em
1984.
Lettice, ou Letti (Rosamaria
Murtinho), é a funcionária de um
museu, encarregada de guiar os
visitantes pela instituição. Para
conseguir atenção nos entediantes aposentos do lugar, Letti romanceia as histórias que se passaram ali.
Algo muito próximo do que se
faz, por exemplo, no jornalismo
sensacionalista, que, em busca de
leitores, dá cores ao cinzento cotidiano. Entretanto, e isso é fundamental na encenação, não é só no
jornalismo que isso ocorre, afinal
a criatividade é um dos melhores
atributos do ser humano, e é justamente sobre isso que trata a peça, um estímulo ao poder inventivo.
Charlotte, ou Lotte (Nathalia
Timberg), é a chefe de recursos
humanos do museu que, após ouvir sobre os exageros da funcionária, decide despedi-la. Contudo o
encontro com Letti vai mudar a
vida burocratizada de Lotte, que
se seduz pelos ímpetos criativos
da ex-funcionária.
O texto de Shaffer trata o assunto de maneira envolvente, afinal a
vida encenada de Letti, filha de
uma atriz, põe em discussão a
função do próprio teatro.
Letti representa a ousadia,
aquela que busca superar a mediocridade do dia-a-dia por meio
da criatividade, com um novo
olhar sobre a humanidade, o que
tem tudo a ver com a linguagem
do teatro.
A encenação é o recurso de Letti
para tornar sua vida -em primeiro lugar, mas também dos que
estão à sua volta- mais interessante.
E sua inspiração é a dramaturgia. Como o próprio texto da peça
resume: "Sem teatro não há teatro".
Nos papéis principais, Murtinho e Timberg mostram uma
cumplicidade contagiante.
A primeira tem uma interpretação ousada, exagerada, como requer a personagem.
Enquanto Timberg passa pela
transformação de ser uma chefe
careta até abandonar seus antigos
valores.
A cenografia do espetáculo contribui para a discussão da teatralidade.
Como uma caixa de surpresas,
as paredes se transformam ao
longo da peça, e alguns elementos
têm função multiuso, o que ressalta a importância da criatividade.
"Letti e Lotte" trata da importância de saber dizer não às regras
do jogo, de compreender que regras são meras convenções e que
o espírito humano sempre deve
estar acima dessas regras.
É uma ode à rebeldia e à solidariedade, num tempo em que reina
o conformismo e o individualismo.
Letti e Lotte
Texto: Peter Shaffer
Direção: Bibi Ferreira
Com: Rosamaria Murtinho, Nathalia
Timberg, Nelson Dantas e outros
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h
Onde: teatro Renaissance (al. Santos,
2.233, tel. 0/xx/11/3069-2233)
Quanto: R$ 40 e R$ 50
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