São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 2000

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DANÇA/CRÍTICA

Pina Bausch ilumina as trevas do mundo com "Masurca Fogo"



ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA



P ara quem conhece a obra de Pina Bausch antes da fase atual, "Masurca Fogo", em cartaz até domingo no teatro Alfa, representa uma transformação radical.
Solar, divertida, com grande poder de comunicação com a platéia (principalmente a brasileira, capaz agora de reconhecer alguns elementos de sua própria cultura), a "Masurca" inspirada em Portugal em nada lembra peças como "Na Montanha um Grito Foi Ouvido", que o grupo de Pina, o Tanztheater Wuppertal, apresentou no Brasil em 1990.
Dez anos atrás, o Tanztheater reunia um elenco que, por si, era um acontecimento. Poucos deles, como Dominique Mercy e Nazareth Panadero, continuam até hoje em meio a uma nova safra de bailarinos e de uma geração intermediária, da qual a brasileira Regina Advento faz parte.
As personalidades de intérpretes fabulosos como Mercy, que acompanha Pina desde os anos 70, quando ela fundou o Tanztheater, nutriram durante muito tempo espetáculos que eram uma descida aos infernos. Relações atribuladas, idiossincrasias de todo tipo assinalavam um mundo à beira do abismo. Para completar, as ambientações sombrias dominavam a cena (em "Na Montanha...", por exemplo, havia 25 m3 de terra recobrindo o palco).
"Masurca Fogo", ao contrário, é como a luz que elimina as trevas. Se, antes, as obras de Pina incomodavam, inclusive, por quase não incluir dança, agora não faltam sequências generosas, principalmente solos (alguns magníficos, como os de Regina e Mercy, ambos ao som de canções portuguesas). Personagens atormentados também parecem coisa do passado. Mais "fellinianos" no que se refere ao humor, os tipos atuais divertem em vez de intrigar, compondo um universo de assimilação muito mais fácil. Por conta de tal mudança, Pina vem enfrentando críticas ferozes na Europa, onde alguns chegam a anunciar o início do declínio na carreira da coreógrafa.
Mas, sem incorrer na condescendência, é possível afirmar que a sensibilidade visionária de Pina pode estar captando um novo momento, ao qual ela começa a se readequar. Embora menos eloquente do que as obras anteriores a 1995, "Masurca Fogo" possui uma beleza magnetizante. Cenas filmadas, que mostram flamingos, viajantes, tocadores de sanfona, mar e flores, inundam o palco, compondo imagens sublimes.
Em certo momento, a construção de um barraco, onde casais entram para dançar, lembra um quadro de Heitor dos Prazeres, mostrando que Pina já começa a explorar a cultura brasileira, tema de sua próxima produção, sem cair em clichês.
Se Pina parece estar se alienando dos conteúdos conturbados de outrora, ela também parece assinalar que a face mais prazerosa do mundo merece igual atenção. Quem sabe, mais uma vez, esteja antevendo a necessidade de novas abordagens para a dança contemporânea que nos últimos anos centrou-se nas tormentas e dores do mundo, em parte sob influência da própria Pina.



Masurca Fogo
    
Coreografia: Pina Bausch
Com: Tanztheater Wuppertal
Quando: hoje e amanhã, às 21h; domingo, às 18h
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722; tel. 0800-558191)
Quanto: de R$ 20 a R$ 120




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