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DANÇA/CRÍTICA
Pina Bausch ilumina as trevas do mundo com "Masurca Fogo"
ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA
P ara quem conhece a obra
de Pina Bausch antes da fase
atual, "Masurca Fogo", em cartaz
até domingo no teatro Alfa, representa uma transformação radical.
Solar, divertida, com grande poder de comunicação com a platéia
(principalmente a brasileira, capaz agora de reconhecer alguns
elementos de sua própria cultura), a "Masurca" inspirada em
Portugal em nada lembra peças
como "Na Montanha um Grito
Foi Ouvido", que o grupo de Pina,
o Tanztheater Wuppertal, apresentou no Brasil em 1990.
Dez anos atrás, o Tanztheater
reunia um elenco que, por si, era
um acontecimento. Poucos deles,
como Dominique Mercy e Nazareth Panadero, continuam até hoje em meio a uma nova safra de
bailarinos e de uma geração intermediária, da qual a brasileira Regina Advento faz parte.
As personalidades de intérpretes fabulosos como Mercy, que
acompanha Pina desde os anos
70, quando ela fundou o Tanztheater, nutriram durante muito
tempo espetáculos que eram uma
descida aos infernos. Relações
atribuladas, idiossincrasias de todo tipo assinalavam um mundo à
beira do abismo. Para completar,
as ambientações sombrias dominavam a cena (em "Na Montanha...", por exemplo, havia 25 m3
de terra recobrindo o palco).
"Masurca Fogo", ao contrário, é
como a luz que elimina as trevas.
Se, antes, as obras de Pina incomodavam, inclusive, por quase
não incluir dança, agora não faltam sequências generosas, principalmente solos (alguns magníficos, como os de Regina e Mercy,
ambos ao som de canções portuguesas). Personagens atormentados também parecem coisa do
passado. Mais "fellinianos" no
que se refere ao humor, os tipos
atuais divertem em vez de intrigar, compondo um universo de
assimilação muito mais fácil. Por
conta de tal mudança, Pina vem
enfrentando críticas ferozes na
Europa, onde alguns chegam a
anunciar o início do declínio na
carreira da coreógrafa.
Mas, sem incorrer na condescendência, é possível afirmar que
a sensibilidade visionária de Pina
pode estar captando um novo
momento, ao qual ela começa a se
readequar. Embora menos eloquente do que as obras anteriores
a 1995, "Masurca Fogo" possui
uma beleza magnetizante. Cenas
filmadas, que mostram flamingos, viajantes, tocadores de sanfona, mar e flores, inundam o palco,
compondo imagens sublimes.
Em certo momento, a construção de um barraco, onde casais
entram para dançar, lembra um
quadro de Heitor dos Prazeres,
mostrando que Pina já começa a
explorar a cultura brasileira, tema
de sua próxima produção, sem
cair em clichês.
Se Pina parece estar se alienando dos conteúdos conturbados de
outrora, ela também parece assinalar que a face mais prazerosa do
mundo merece igual atenção.
Quem sabe, mais uma vez, esteja
antevendo a necessidade de novas
abordagens para a dança contemporânea que nos últimos anos
centrou-se nas tormentas e dores
do mundo, em parte sob influência da própria Pina.
Masurca Fogo
Coreografia: Pina Bausch
Com: Tanztheater Wuppertal
Quando: hoje e amanhã, às 21h;
domingo, às 18h
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de
Andrade Filho, 722; tel. 0800-558191)
Quanto: de R$ 20 a R$ 120
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