São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2001

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"AS CONSOLAÇÕES DA FILOSOFIA"

Lições de Alain de Botton misturam insensatez e heresia

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN

Insensatez é uma palavra apropriada para definir o projeto do escritor britânico Alain de Botton em "As Consolações da Filosofia".
Depois de publicar romances nos quais citações filosóficas irrompiam a qualquer momento para ajudar a resolver questões tão prosaicas e essenciais como "Será que ela me ama?" ou "Devo mudar de emprego?" ou ainda "Será que vai chover amanhã?", o autor lançou-se à seguinte tarefa: usar o pensamento filosófico como isca para leitores sedentos de respostas em um livro que pode ser definido como uma obra de auto-ajuda.
O humor de Botton, claro, continua intacto. Humor da melhor cepa, britânico, que fique claro. Só esses dois esclarecimentos já servem para explicitar que tipo de leitor o autor pretende atingir, e desse grupo com certeza não fazem parte nem os chamados filósofos profissionais nem os candidatos a tal.
"As Consolações da Filosofia" divide-se em seis capítulos, cada um dedicado a um filósofo em particular e a um tipo específico de problema, a saber: impopularidade (Sócrates); falta de dinheiro (Epicuro); frustração (Sêneca); inadequação (Montaigne); coração partido (Schopenhauer) e dificuldades (Nietzsche).
O ponto de partida para cada um desses problemas são as biografias dos filósofos. Como se trata de um livro de auto-ajuda, a narrativa dessas vidas funciona aqui como um espelho, no qual podemos identificar nossas misérias e dúvidas particulares e descobrir ali não uma solução, mas antes uma "consolação".
O Sócrates e o Nietzsche que emergem dessas páginas serão considerados "heresia" aos olhos de um especialista.
Porém, o que há de extraordinário nas vidas e nas obras desses pensadores Alain de Botton deixa a cargo de quem entende de fato do ramo. O que destaca aqui é o quanto esses personagens possuem de ordinário, isto é, de comum com a maioria de nós, meros mortais.
E, melhor, atém-se à necessidade de revelar como essas vidas ordinárias tornaram-se capazes de enfrentar os problemas que a existência impôs a elas, ou seja, como tentaram compreender e superar suas próprias dúvidas e dificuldades.
A lógica é a mesma que Schopenhauer descobriu ao interpretar o sucesso alcançado por "Sofrimentos do Jovem Werther", de Goethe, como expressão de "idéias" essenciais da psicologia romântica. Sobre esse assunto, Botton observa: "Não precisamos ter vivido na Alemanha na segunda metade do século 18 para entender o que estava envolvido ali. Existem menos romances do que pessoas na Terra, as tramas repetem-se sem cessar".
Desse modo, o leitor que não entende nada de filosofia descobre, por meio de uma leitura ligeira e amena, que essa categoria de saber, conhecida como difícil e impenetrável, tem um poder de esclarecimento muito mais eficaz do que supõem as vãs conclusões do senso comum.
Na prática, em seu novo livro Botton dá continuidade ao projeto iniciado em "Como Proust Pode Mudar Sua Vida".
Um título alternativo poderia ser "Como a Filosofia Pode Salvar Sua Vida". Pelo menos da mediocridade na qual chafurda a maioria dos mortais.


As Consolações da Filosofia
Consolations of Philosophy
  
Autor: Alain de Botton
Tradutora: Eneida Santos
Editora: Rocco
Quanto: R$ 32 (287 págs.)




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