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RESENHA DA SEMANA
O escritor encurralado
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
Há dois meses, num artigo
publicado na "The New
Yorker" e incluído como prefácio na recém-lançada edição
americana de "Summer em Baden-Baden" (verão em Baden-Baden), do russo Leonid
Tsypkin (1926-1982), Susan
Sontag anunciava o que, na sua
opinião, era a última obra-prima esquecida da literatura do
século 20, um romance que havia sobrevivido por milagre.
O milagre vem por conta da
vida do autor. Leonid Tsypkin
nasceu em Minsk, capital da
atual Belarus, entre as duas
guerras, numa família de judeus. Não poderia ter calculado
pior lugar ou momento.
O pai, que era médico, foi preso pelo terror stalinista e libertado depois de tentar se matar.
Com a invasão alemã, parte da
família foi assassinada no gueto
de Minsk. Tsypkin e os pais conseguiram escapar graças a um
ex-paciente que os escondeu
num caminhão de picles para
fora da cidade.
Ao se formar em medicina, casado e com um filho pequeno, o
futuro autor teve de penar sob
os efeitos do anti-semitismo até
conseguir por fim, em 1957, um
emprego de patologista num
instituto de Moscou.
Embora sempre tenha se interessado por literatura, só depois
dos 40 anos é que começou a escrever textos que nunca publicou, em parte porque nada tinham a ver com a literatura oficial e também por temer retaliações se os lançasse por meios
clandestinos ou independentes.
Em 1977, quando o filho e a
cunhada decidem emigrar para
os EUA, a situação de Tsypkin,
que já não era fácil, vira um inferno. Os vistos são concedidos,
mas assim que a informação
chega aos seus superiores no
instituto, ele é rebaixado e afastado das pesquisas.
É quando começa a escrever
"Summer em Baden-Baden",
fruto de uma pesquisa minuciosa e de uma paixão literária: o livro trata em grande parte da viagem que Dostoiévski e sua segunda mulher, Anna Grigórievna, fazem a Baden-Baden, em
1867, acossados pelas dívidas e
pelas humilhações, em busca da
sorte no jogo.
Em 1979, sem ver outra saída,
Tsypkin, a mulher e a mãe pedem vistos de emigração. Esperam dois anos para receber a
resposta negativa. Tentam uma
segunda vez e recebem outro
não, agora definitivo.
No início de 1982, ele é demitido do instituto. Na mesma época, o filho consegue publicar a
primeira parte de "Summer em
Baden-Baden" numa revista de
imigrantes russos nos EUA.
Tsypkin morre uma semana depois, de ataque cardíaco, sem
nunca ter publicado nada em
seu país além de artigos e traduções em revistas científicas.
"Summer em Baden-Baden" é
composto de longos parágrafos
formados cada um por uma frase que se desdobra, por meio de
vírgulas e travessões, em várias
orações embutidas. Tsypkin é
desses escritores que crêem não
na linguagem como uma lente
transparente que faz ver o mundo mas, ao contrário, na linguagem como uma rede que, jogada
sobre o mundo invisível, só o
torna visível, em seus contornos, pois também se deixa ver.
O romance intercala dois tempos e duas viagens: a que o próprio Tsypkin faz de Moscou a
Leningrado (atual São Petersburgo), no rastro de Dostoiévski, e a que o autor de "Crime e
Castigo" faz com a mulher pela
Alemanha, tentando a sorte, para dar continuidade a sua carreira literária.
Assim como Dostoiévski, na
época ainda à espera do reconhecimento literário, se humilha diante de escritores consagrados como Turguêniev e precisa escrever às pressas para pagar as contas e não cair nas armadilhas dos contratos draconianos dos editores, Tsypkin depende de um exercício diário de
autodeterminação para não desanimar quando tudo em volta o
impede de ver um sentido no
seu projeto literário. Não é à toa
que a glória de Dostoiévski só
venha nas últimas páginas do livro, às vésperas de sua morte.
A Tsypkin nunca foi permitido sair da União Soviética. Escrever é o que lhe resta. Muito
das informações factuais do romance vem do diário da mulher
de Dostoiévski, a que Tsypkin se
agarra como se só lhe restassem
os detalhes, para tentar tirar daí,
do que é ínfimo, interior e íntimo, a exterioridade e a vastidão
de um mundo inteiro imaginado. A literatura é o seu visto de
emigração. "Summer em Baden-Baden" é o romance de um
escritor encurralado.
Summer in Baden-Baden
Leto V Badene
Autor: Leonid Tsypkin
Tradução para o inglês: Roger e
Angela Keys
Editora: New Directions
Quanto: US$ 23,95 (170 págs.)
Onde encontrar: www.amazon.com
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