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São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

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ARTES VISUAIS

EXPOSIÇÃO

Projeto na Tate Modern exibe obras de 13 crianças e adolescentes escolhidos entre 14 mil pessoas; brasileiro aborda a seca

Água transporta jovens à galeria londrina

MARIA LUIZA ABBOTT
DE LONDRES

Para artistas renomados do mundo, fazer parte de uma exposição na Tate Modern, em Londres, é o auge da carreira. Para o brasileiro Felipe Rodrigues, 16, pode ter sido apenas o começo.
Rodrigues faz parte de um grupo de 13 crianças e adolescentes escolhidos entre mais de 14 mil jovens artistas para expor suas obras de arte na mostra "Splash! Our Relationship with Water" (Splash! Nossa Relação com a Água), na galeria londrina.
A mostra integra um projeto patrocinado pela empresa Unilever que pretende estimular a ousadia criadora de crianças e adolescentes, além de artistas consagrados, em temas relacionados com a natureza. É parte dele a instalação do sueco Olafur Eliasson, com projeções do sol, um enorme espelho e uma névoa constante. Em sua temporada na Tate Modern, a instalação tem provocado admiração, mas também controvérsias, como tantas outras obras apresentadas por esse que é um mais respeitados museus de arte contemporânea do mundo.

Imigrantes
Para a criação artística das crianças, o tema do projeto da Unilever é a água e o seu uso renovável. A obra de Rodrigues se destaca das demais: é a única em que a água não aparece. É também uma instalação, sem envolver pincéis nem cinzéis.
A obra chama-se "Retirante" e é feita com folhas secas, gravetos, capim e terra escura. Por cima, pares de chinelo de borracha e tênis, de tamanhos diferentes, mas todos gastos pelo uso.
"Quis representar os imigrantes que saem do Nordeste em busca da água na cidade grande", diz Rodrigues à Folha, na abertura da exposição, na última quarta-feira. "Tentei conscientizar as pessoas para ver se as coisas mudam, porque, se continuarmos assim, não vai sobrar lugar para fugirmos em busca da água."
Para demonstrar sua preocupação com a preservação do meio ambiente e o interesse em projetos de desenvolvimento sustentável, Rodrigues utilizou apenas material reciclável. "Pedi sapatos para os vizinhos e amigos e quanto mais desgastados, melhor, pois retirante não usa sapato novo", explica o brasileiro.
E, se arte é fazer com que "os outros enxerguem algo novo no que se vê todos os dias", como disse Clive Butler, diretor da Unilever, na inauguração da mostra, o trabalho de Rodrigues se encaixa na definição. Para quem olha sua instalação, não há dúvidas. É a caminhada dos retirantes que abandonam o sertão no auge da seca, feita com coisas que se vê todos os dias para criar uma imagem nova de uma tragédia que simboliza o drama da falta de água.
Rodrigues está na sétima série da Escola Estadual Machado de Assis, em Vespasiano, Belo Horizonte (MG), um dos 14 municípios do Brasil em que a Unilever desenvolve programas na área de educação. A empresa, segundo Norma Fernandes -representante da Unilever nesse projeto-, gasta R$ 5 milhões em projetos comunitários, de educação e saúde por ano, no Brasil.

Arte ao redor do mundo
O projeto artístico envolveu crianças de 13 países do mundo. Só no Brasil, participaram mais de 2.000 obras de arte. Um júri nos países selecionou três trabalhos, que foram enviados a Londres, onde foram submetidos à avaliação de especialistas.
Foi escolhido um de cada país pelo júri, que era formado por Niall Fitzgerald, presidente da Unilever; Susan May, curadora da Tate Modern; Vicken Parsons, artista britânico; Tim Marlow, escritor e crítico de artes, e Victoria Neumark, especialista em educação do jornal britânico "The Times". "Ficamos muito impressionados com o alto padrão das obras pré-selecionadas", diz Tim Marlow.
Para Felipe Rodrigues, viajar a Londres e ter uma obra na exposição da Tate Modern, foi decisivo para seu futuro e seu interesse pela arte. "Desenho, faço artesanato com material reciclável e agora vou voltar e me dedicar ainda mais", diz. "Quero fazer arte, mas arte engajada, voltada para a ecologia."
A mãe de Rodrigues é professora de arte na escola em que ele estuda. O interesse pela arte, diz, veio da influência da mãe, e o apoio da professora de arte de sua série, Aloma Moraes, foi fundamental. Foi ela quem ajudou, sugeriu e estimulou Rodrigues na criação de sua obra.


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