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Grupo persegue, pesquisa e revela o Brasil de dentro
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Sempre que o Brasil resolve
querer se conhecer melhor, acaba
voltando os olhos para seu próprio interior. Foi o que fez o modernista Mário de Andrade, há
pouco menos de um século, e é o
que tem voltado a fazer nestes primeiros anos do século 21 o grupo
paulistano A Barca -sob inspiração direta de Mário, diga-se.
O atual projeto de percorrer o
Brasil oferecendo e colhendo sabedorias é amplificação do trabalho que o grupo já exercia de forma mais restrita, e que rendeu como primeiro produto concreto o
excepcional álbum "Turista
Aprendiz" (2000). Ali, A Barca
reinterpretava cantigas e ritos recolhidos por Mário de Andrade
no Brasil interior, bem como cheganças, jongos e até o samba paulista de Geraldo Filme.
O trabalho tomou prosseguimento e até se radicalizou no CD
"Baião de Princesas" (2002), gravado em esquema grupal com o
núcleo maranhense do terreiro de
candomblé Casa Fanti Ashanti. Se
A Barca já pesquisava e perseguia
a diversidade musical do Brasil
escondido, agora investia também no sincretismo religioso, na
tolerância entre os credos.
Não bastasse, é febril o ritmo
das atividades paralelas dos integrantes desse misto de circo, Caravana Holiday, trupe de commedia dell'arte, filme d'Os Trapalhões etc. etc.
Além de trabalhos solo de vários
deles, os d'A Barca se espalham
também por grupos de música e/
ou teatro, como Barbatuques, Cia.
do Latão, Vésper Vocal. Lincoln
Antonio produziu, também, o CD
"Cavalo de Praia - Sambas da
Ilha" (2001), uma compilação de
autores santistas de samba.
A música d'A Barca, sob essas
referências, resulta formalista e
exuberante, mas muito distante
do que se costuma entender sobre
cultura contemporânea, urbana
-é o outro lado do espelho que
compreende nossa cultura jovem
como um misto de eletrônica, hip
hop, rock pesado e MPB.
Sendo assim, A Barca se atira
em terrenos que se costuma classificar como folclóricos -fica
perto de ser compreendida como
algo estilizado, fantasiado de
bumba-meu-boi maranhense,
maracatu pernambucano ou carnaval carioca. Afasta-se, assim, da
nossa compreensão cotidiana.
Mas esse é um dos disfarces defensivos que costumam vestir o
naco do Brasil que se espreme de
medo de se autoconhecer. Um
desprezo do Brasil por si próprio
se oculta, desde ao menos os tempos de Mário, sob a fantasia espalhafatosa de que tais músicas e
danças interioranas são distantes,
perdidas no tempo e no espaço de
um Brasil que é muito mais moderno, muito menos arcaico.
Pois está aí o serviço prestado
pel'A Barca, agora sob patrocínio.
Expondo a cultura do grande Brasil interno, demonstra e confessa
que não somos só litoral, que não
somos apenas superfície e superficialidade. Vazando as tripas saudáveis do Brasil, permite o caminho de volta que legitima junto
com cocos e rojões o hip hop, o
tecno, as músicas todas do Brasil
que pensa que não é Brasil.
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