São Paulo, quarta-feira, 15 de dezembro de 2004

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ARTES PLÁSTICAS

Intervenção do artista Eduardo Srur no Monumento às Bandeiras é bem assimilada pelo público de SP

Prefeitura não retira âncora de Brecheret

TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL

Sitiada por outdoors, monumentos semi-esquecidos e esqueletos de concreto, a cidade é o campo de batalha do artista paulistano Eduardo Srur, 30. Suas armas: poética, ironia e provocação.
A mais recente ação de Srur foi colocar uma âncora ao lado de um dos símbolos de São Paulo, o Monumento às Bandeiras, no parque Ibirapuera.
O caráter "subversivo" da obra ultrapassa os seus próprios significados, já que ela foi executada à revelia do Departamento de Patrimônio Histórico, responsável por autorizar interferências em construções tombadas.
O órgão municipal fez uma avaliação e concluiu que a intervenção, realizada na última sexta, não causou dano ao monumento. Srur deve ser notificado para retirá-la. Enquanto isso, ela permanece onde está.
Victor Brecheret Filho, 62, não se opôs a intervenção à obra-prima de seu pai (1894-1955).
A âncora de madeira, borracha e piche tem 2 m por 3 m e 50 kg. Foi colocada no "empurra-empurra" depois que Srur observou que ela era um elemento que "faltava" à escultura.
O argumento dele para justificar a ilegalidade do trabalho é que a idéia tornou-se urgente e a estratégia mais rápida passava ao largo da burocracia.
Srur visita o trabalho todos os dias e registra em vídeo e fotos a reação do público diante da obra.
A prova de fogo aconteceu no domingo passado. A multidão que visita (e escala) a escultura de Brecheret não perdoou a âncora, que fez as vezes de balanço. Resistiu incólume. E se inseriu na paisagem de tal forma que foi escolhida para ser fotografada por muitos dos visitantes.
"Para mim, o mais importante é a mensagem direta ao espectador, me incomoda a arte hermética. A função do artista é trazer a plasticidade com alguma reflexão, não somente a reflexão", defende.
Ele tergiversa sobre o possível aspecto político do trabalho. Antes de parar no monumento, ele pensou em jogar a âncora no Masp e na Bienal.
"Sei que a âncora levanta questões sobre a instituição, mas não é sobre isso que eu quero falar."
A âncora já havia sido pendurada na fachada do hotel Lord Palace, na Santa Cecília, durante uma exposição de arte contemporânea que aconteceu entre setembro e novembro.
Outro trabalho público de Srur deixava mais clara sua posição política. "Atentado" é um vídeo de quatro minutos no qual ele aparece explodindo bexigas de tinta em outdoors.
Os atentados faziam não somente uma crítica à especulação publicitária mas também eram interferências estéticas, já que as cores e as imagens eram previamente combinadas.
"A publicidade é um sistema avançado visualmente em relação à arte. Como a arte vai gerar um produto que cria reflexão diante disso?", pergunta.
O trabalho que teve maior visibilidade de Srur foi "Acampamento dos Anjos". Instalação de 35 barracas de camping na fachada do esqueleto de concreto que há dez anos enfeia a avenida Dr. Arnaldo, em Pinheiros.
O contexto do prédio que deveria ser um hospital e permanecia na carcaça era menor em relação ao poético efeito de seus anjos.
A obra, realizada em abril deste ano, necessitou de idas e vindas a gabinetes do governo estadual para que fosse feita.
O sucesso do trabalho foi grande, e o artista foi convidado a mostrá-lo em 2005 em Dijon e Metz, na França. Ele planeja ainda montar o acampamento em Recife, no Rio de Janeiro e em Santos, ainda sem data definida.
Srur concorre à próxima edição do Festival da Cultura Inglesa, cujo resultado deve ser anunciado hoje. O trabalho é inspirado nas farmácias de Damien Hirst. Só que com remédios placebos para a alma, "uma possibilidade de curar o próximo", diz.

Próximo ataque
Os planos iniciais de levar a âncora para a fachada do Masp e da Bienal foram frustrados, mas isso não significa que ele tenha se calado diante das instituições. Muito menos que ele deixará de provocá-los em seu próximo ataque.
"Não gostei da Bienal. O "Território Livre" não existe. O universo da arte não começa onde termina o cotidiano. Todas as minhas obras, por exemplo, estão inseridas no cotidiano."
E se fosse chamado para participar? "Qualquer artista gostaria de ser convidado, mas se eu fosse faria uma obra fora do pavilhão."
Ele planeja uma performance que deve culminar com o fim da Bienal e que será realizada nas cercanias do pavilhão.
Como essa também será uma ação ilegal, ele não quis revelar os detalhes do que deve fazer.


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