DA REPORTAGEM LOCAL

Robert Crumb é um misantropo, um palhaço sociável, um caipira ingênuo, uma superestrela da mídia, um sujeito normal e bom vizinho, um chapado degenerado... "Só depende do meu humor no momento", diz ele em "Minha Vida", espécie de autobiografia lançada pela editora Conrad.
O livro é uma compilação de textos, anúncios, histórias em quadrinhos e desenhos tirados da série "The Complete Crumb Comics" e do livro "The R. Crumb Coffee Table Art Book", que abrangem material publicado entre 1969 e 1997.
Ali, Crumb fala sobre sua infância de menino fracote e chorão (característica que manteve até a vida adulta, aliás), o desenvolvimento de sua paixão pelos quadrinhos, o momento em que sai de casa, na adolescência, com US$ 14 emprestados por seu pai e uma passagem de ônibus para Cleveland (EUA), o começo de seu sucesso como cartunista underground, os anos hippies com muito ácido e a fase "pai de família", em que se "acalmou".
Tudo isso é descrito e desenhado com o humor autodepreciativo (e, ocasionalmente, auto-elogioso) que lhe é peculiar. É também uma orgia de sexo, drogas e blasfêmias diversas, obviamente não-recomendada aos puritanos, ainda que o próprio Crumb faça, em diversos momentos, um mea-culpa sobre os exageros que cometeu nos anos 60.
Ainda que totalmente centrado na personalidade do cartunista, o livro tem potencial para interessar a um público mais amplo do que apenas os fãs de Crumb. Isso porque, junto às histórias de sua vida, há uma visão crítica, aguçada e debochada sobre a vida da sociedade norte-americana, especialmente entre os anos 50 e 80.
Como disse em entrevista à Folha, Crumb se abre totalmente em seu trabalho. Não há segredos ou eufemismos: ali estão o caipira reacionário, o sujeito que se diverte "com o sofrimento dos outros" e, especialmente, o homem "psicótico" (palavra dele) no tratamento destinado às mulheres. São retratos de um Crumb do passado, imaturo. "A idade me fez acalmar bastante, não sou tão raivoso quanto costumava ser", diz o Crumb atual.
Ao fim de "Minha Vida", descobre-se que Robert Crumb, gênio dos quadrinhos, é uma pessoa com altos e baixos, com preconceitos, bondade, inseguranças, generosidade, egoísmo. Mais um humano, em suma.