São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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MANUEL DA COSTA PINTO

Elogio do pessimismo

"Não Incentivem o Romance", de Alfonso Berardinelli, faz crítica mordaz ao romance pós-moderno de Umberto Eco

POUCO A pouco, os leitores brasileiros estão descobrindo Alfonso Berardinelli, um dos nomes mais importantes da crítica literária italiana. Recentemente, Fábio de Souza Andrade analisou aqui o livro "Da Poesia à Prosa" (Cosac Naify). Também neste espaço, o colunista que vos fala havia resenhado "La Forma del Saggio" ("A Forma do Ensaio", ainda sem tradução), prêmio Viareggio de 2002.
Agora surge "Não Incentivem o Romance e Outros Ensaios", inaugurando a coleção Estudos Italianos. Lidos em conjunto, os três livros se complementam numa profissão de fé na qual ensaio se apresenta como sucedâneo do romance na tarefa de lançar um olhar perturbador sobre a realidade.
Se os textos incluídos em "Da Poesia à Prosa" descrevem como a lírica moderna degenerou em jargão do hermetismo, "Não Incentivem..." mostra que o romance deixou de convocar a "energia interpretativa" dos leitores. A conclusão é que, dentre os gêneros literários, cabe ao ensaio resgatar o espírito de insubordinação diante dos apaziguamentos do mercado e do senso comum.
O livro começa com uma trilogia de conferências apresentadas na Universidade Autônoma do México, com panoramas da poesia, da narrativa e do ensaio na Itália após 1945.
São textos por si só fundamentais para o estudioso das letras italianas, mas a repartição tem sentido preciso: a escrita ensaística ganha peso igual ao da lírica e da prosa, sugerindo que a reportagem autobiográfica "Cristo Parou em Eboli", de Carlo Levi, é uma "prosa de arte" equiparável à ficção de Gadda e Calvino, ou que os fragmentos de Umberto Saba rivalizam com sua obra poética.
"Não Incentivem o Romance" traz estudos sobre clássicos do romance europeu, de Stendhal a Kafka, e discute as personagens problemáticas da narrativa do século 20. Muito mais problemático, porém, é o diagnóstico do gênero romanesco contido em "O Best-Seller Pós-Moderno: de "O Gattopardo" a Stephen King".
Trata-se de uma análise cáustica da recepção de autores como Lampedusa, Kerouac e García Márquez, que Berardinelli credita à ânsia do público por enredos mitologizantes, congelados no tempo inerte da aristocracia, da purificação destrutiva ou do universo fantástico.
Seu alvo maior, todavia, é o Umberto Eco de "O Nome da Rosa", artefato para o "neoburguês, competente, escolarizado, intoxicado de teorização e desejoso de promoção cultural (...) que não quer, decerto, emocionar-se nem lamentar os males do mundo, como aquele dos romances do século 19, mas prefere sentir-se deliciosamente distante, irônico, sofisticado e sarcástico".
Contra esses leitores -e esses romancistas-, Berardinelli propõe um pessimismo crítico que, após a morte da proclamada "morte do romance", não incentive o romance como refúgio da história.


NÃO INCENTIVEM O ROMANCE E OUTROS ENSAIOS
Autor:
Alfonso Berardinelli
Organização: Lucia Wataghin
Editora: Humanitas/Nova Alexandria
Quanto: R$ 32 (208 págs.)
Avaliação: ótimo


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