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Autor alemão brinca de realismo mágico
Livro "A Medida do Mundo", de Daniel Kehlmann, é o mais recente fenômeno literário de venda e crítica da Alemanha
Escritor diz ter se inspirado em nomes como García Márquez para escrever o best-seller de maior sucesso do país desde "O Perfume"
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Desde 1986, quando Patrick
Süskind lançou o best-seller "O
Perfume", a Alemanha não sabia o que era um fenômeno literário de venda e crítica, da própria lavra, dentro e fora de suas
fronteiras. O jejum foi quebrado por Daniel Kehlmann, 32, e
seu quinto romance, "A Medida
do Mundo", já lançado no Brasil. Só naquele país o livro vendeu mais de 1 milhão de exemplares; em seguida os direitos
de tradução foram comercializados em cerca de 40 países, e
Hollywood já planeja a adaptação para o cinema.
O sucesso de Kehlmann chegou a servir de pretexto para a
imprensa internacional anunciar, no lançamento, em 2005,
"o retorno da leveza e do humor à literatura alemã" ("The
Guardian"). Seu livro cai como
uma luva na categoria do "novo
romance alemão: menos pesado, mais exportável" ("New
York Times").
Kehlmann concorda com tudo. Queria revelar as facetas cômicas que havia descoberto em
dois luminares das ciências e
do classicismo alemão: o naturalista Alexander von Humboldt (1769-1859) e o matemático Carl Friedrich Gauss
(1777-1855). Eles tiveram apenas um encontro, em 1828, em
Berlim, quando Gauss, um gênio recluso, hospedou-se na casa de Humboldt, um gênio
aventureiro, para um congresso. A realidade, em princípio,
pára aí. E entra a imaginação de
Kehlmann. "O livro trata de
duas formas de liberdade: a do
pensamento versus a do movimento. Acho que é, no fim das
contas, a questão filosófica
mais importante que se coloca
entre estes dois cientistas distintos." Leia a seguir trechos da
entrevista à Folha.
FOLHA - O jornal britânico "The
Guardian" disse que "A Medida do
Mundo" era o tipo de livro que Gabriel García Márquez teria escrito se
tivesse nascido na Alemanha. Você
fez realismo mágico alemão?
DANIEL KEHLMANN - Eu não o imito simplesmente, e sim o utilizo
como técnica, sempre que
Humboldt, de sua perspectiva
de cientista, ignora tudo que é
enigmático e fantástico. Ele é
um mestre nessa ignorância, e a
partir daí eu desenvolvo vários
pontos do livro. Como, por
exemplo, o monstro marinho
que ele vê na viagem para a
América. Ou o surgimento de
sua mãe, já morta, numa caverna. Ou ainda o Ovni que ele
avista às margens do rio Orinoco. Mas ele se recusa a acreditar
nisso tudo, quer ter um mundo
organizado de forma racional e
científica. A fascinante técnica
do realismo mágico, de descrição do sobrenatural, como se
fosse algo normal e rotineiro,
me possibilitou a caracterização psicológica do personagem
dentro do romance.
FOLHA - Boa parte das piadas do livro se referem à maneira de ser dos
alemães. Pode-se rir delas também
no Brasil?
KEHLMANN - Eu espero. Só posso falar da reação de outros leitores, que funcionou em vários
países, como a França, Itália,
Suécia, Dinamarca etc. Parece
que interessa ao leitor de forma
universal. Existem piadas ou
passagens engraçadas na história que um "insider", alguém
que conhece a cultura alemã
entende melhor, e alguém de
fora não entende tão bem. Mas
o inverso também ocorre. Em
passagens em que Gauss, ou especialmente Humboldt, se
comportam tipicamente como
alemães, os não-alemães entendem melhor, segundo a minha experiência. De qualquer
forma não me interessaria escrever um tipo de livro que somente alemães entendessem.
Pelo contrário. Eu sou um escritor muito influenciado pela
literatura sul-americana. E isso
se percebe no livro, que eu tenho a esperança de que a história seja compreendida em diferentes círculos culturais, especialmente para leitores na
América do Sul. O romance é
um confronto de duas culturas.
FOLHA - Você tem 32 anos e, em
princípio, diferentemente de escritores de sua geração, não fez nenhum livro autobiográfico. A que
atribui a diferença?
KEHLMANN - Seria muito entediante. O que me fascina na escrita é esse aspecto de que é
possível viver mais vidas do que
normalmente se pode. É o que
o escritor Max Frisch compara
a roupas, histórias que se pode
experimentar. Eu simplesmente gosto de inventar. Duplicar
ou copiar minha própria vida
seria monótono. Naturalmente
o escritor tem de estar presente
no livro, mas na forma das coisas que lhe interessam e ocupam seu imaginário. Elas encontram um caminho no texto,
mas através de uma espécie de
transformação, da metamorfose. Quando alguém somente escreve sua autobiografia, chega a
um ponto em que não pode
continuar. Ao passo que se se
ficcionaliza, inventa, a matéria-prima permanece infinita.
FOLHA - Já saberia explicar o fenômeno de seu livro?
KEHLMANN - Honestamente,
não. O fenômeno tomou proporções, o livro vendeu tanto,
não somente na Alemanha, eu
fui o último a contar com isso.
Para mim era um tema especial, que interessaria a poucas
pessoas. Todas as explicações
que me deram não me convencem. Eu realmente gostaria de
saber o que um bom sociólogo
acha disso. Pessoalmente tento
lidar como se tivesse ganhado
na loto: primeiro fiquei chocado, depois feliz, não me fiz muitas perguntas, mas ao mesmo
tempo tenho um pouco de medo de que tudo não tenha passado de um engano.
A MEDIDA DO MUNDO
Autor: Daniel Kehlmann
Tradução: Sonali Bertuol
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (272 págs.)
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