São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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Autor alemão brinca de realismo mágico

Livro "A Medida do Mundo", de Daniel Kehlmann, é o mais recente fenômeno literário de venda e crítica da Alemanha

Escritor diz ter se inspirado em nomes como García Márquez para escrever o best-seller de maior sucesso do país desde "O Perfume"

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde 1986, quando Patrick Süskind lançou o best-seller "O Perfume", a Alemanha não sabia o que era um fenômeno literário de venda e crítica, da própria lavra, dentro e fora de suas fronteiras. O jejum foi quebrado por Daniel Kehlmann, 32, e seu quinto romance, "A Medida do Mundo", já lançado no Brasil. Só naquele país o livro vendeu mais de 1 milhão de exemplares; em seguida os direitos de tradução foram comercializados em cerca de 40 países, e Hollywood já planeja a adaptação para o cinema.
O sucesso de Kehlmann chegou a servir de pretexto para a imprensa internacional anunciar, no lançamento, em 2005, "o retorno da leveza e do humor à literatura alemã" ("The Guardian"). Seu livro cai como uma luva na categoria do "novo romance alemão: menos pesado, mais exportável" ("New York Times").
Kehlmann concorda com tudo. Queria revelar as facetas cômicas que havia descoberto em dois luminares das ciências e do classicismo alemão: o naturalista Alexander von Humboldt (1769-1859) e o matemático Carl Friedrich Gauss (1777-1855). Eles tiveram apenas um encontro, em 1828, em Berlim, quando Gauss, um gênio recluso, hospedou-se na casa de Humboldt, um gênio aventureiro, para um congresso. A realidade, em princípio, pára aí. E entra a imaginação de Kehlmann. "O livro trata de duas formas de liberdade: a do pensamento versus a do movimento. Acho que é, no fim das contas, a questão filosófica mais importante que se coloca entre estes dois cientistas distintos." Leia a seguir trechos da entrevista à Folha.

 

FOLHA - O jornal britânico "The Guardian" disse que "A Medida do Mundo" era o tipo de livro que Gabriel García Márquez teria escrito se tivesse nascido na Alemanha. Você fez realismo mágico alemão?
DANIEL KEHLMANN -
Eu não o imito simplesmente, e sim o utilizo como técnica, sempre que Humboldt, de sua perspectiva de cientista, ignora tudo que é enigmático e fantástico. Ele é um mestre nessa ignorância, e a partir daí eu desenvolvo vários pontos do livro. Como, por exemplo, o monstro marinho que ele vê na viagem para a América. Ou o surgimento de sua mãe, já morta, numa caverna. Ou ainda o Ovni que ele avista às margens do rio Orinoco. Mas ele se recusa a acreditar nisso tudo, quer ter um mundo organizado de forma racional e científica. A fascinante técnica do realismo mágico, de descrição do sobrenatural, como se fosse algo normal e rotineiro, me possibilitou a caracterização psicológica do personagem dentro do romance.

FOLHA - Boa parte das piadas do livro se referem à maneira de ser dos alemães. Pode-se rir delas também no Brasil?
KEHLMANN -
Eu espero. Só posso falar da reação de outros leitores, que funcionou em vários países, como a França, Itália, Suécia, Dinamarca etc. Parece que interessa ao leitor de forma universal. Existem piadas ou passagens engraçadas na história que um "insider", alguém que conhece a cultura alemã entende melhor, e alguém de fora não entende tão bem. Mas o inverso também ocorre. Em passagens em que Gauss, ou especialmente Humboldt, se comportam tipicamente como alemães, os não-alemães entendem melhor, segundo a minha experiência. De qualquer forma não me interessaria escrever um tipo de livro que somente alemães entendessem.
Pelo contrário. Eu sou um escritor muito influenciado pela literatura sul-americana. E isso se percebe no livro, que eu tenho a esperança de que a história seja compreendida em diferentes círculos culturais, especialmente para leitores na América do Sul. O romance é um confronto de duas culturas.

FOLHA - Você tem 32 anos e, em princípio, diferentemente de escritores de sua geração, não fez nenhum livro autobiográfico. A que atribui a diferença?
KEHLMANN -
Seria muito entediante. O que me fascina na escrita é esse aspecto de que é possível viver mais vidas do que normalmente se pode. É o que o escritor Max Frisch compara a roupas, histórias que se pode experimentar. Eu simplesmente gosto de inventar. Duplicar ou copiar minha própria vida seria monótono. Naturalmente o escritor tem de estar presente no livro, mas na forma das coisas que lhe interessam e ocupam seu imaginário. Elas encontram um caminho no texto, mas através de uma espécie de transformação, da metamorfose. Quando alguém somente escreve sua autobiografia, chega a um ponto em que não pode continuar. Ao passo que se se ficcionaliza, inventa, a matéria-prima permanece infinita.

FOLHA - Já saberia explicar o fenômeno de seu livro?
KEHLMANN -
Honestamente, não. O fenômeno tomou proporções, o livro vendeu tanto, não somente na Alemanha, eu fui o último a contar com isso. Para mim era um tema especial, que interessaria a poucas pessoas. Todas as explicações que me deram não me convencem. Eu realmente gostaria de saber o que um bom sociólogo acha disso. Pessoalmente tento lidar como se tivesse ganhado na loto: primeiro fiquei chocado, depois feliz, não me fiz muitas perguntas, mas ao mesmo tempo tenho um pouco de medo de que tudo não tenha passado de um engano.


A MEDIDA DO MUNDO
Autor:
Daniel Kehlmann
Tradução: Sonali Bertuol
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (272 págs.)


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