São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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Crítica/"O Castelo na Floresta"

Norman Mailer deixa ficção constrangedora sobre a vida de Hitler

Último romance do autor morto em novembro tem descrições toscas, personagem infantilizado e total falta de ritmo narrativo

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O Castelo na Floresta", o último romance da carreira de Norman Mailer (1923-2007), é ruim de tantos jeitos diferentes e em tantas dimensões que fica até difícil escolher um deles para comentar.
O livro consegue o feito de competir em igualdade de condições com "O Evangelho Segundo o Filho" (ed. Best-Seller), seu antecessor, publicado pelo norte-americano dez anos atrás.
Do ponto de vista literário, o mais importante de todos, essa biografia fictícia de Adolf Hitler em seus primeiros anos e seus antepassados acumula momentos de absoluto constrangimento, das descrições de cenas de sexo toscas a um narrador-demônio infantilizado que mereceria, de fato, nunca ter deixado as chamas do mundo subterrâneo... Isso para não falar da completa falta de ritmo da narrativa, esticada em mais de 400 páginas.
Mailer afirmou em uma entrevista que foi um dos poucos a compreender o genocida. Cada um tem direito de acreditar no que quiser, mas as explicações histórico-psicanalítico-demonológicas apresentadas no livro (incesto dos pais, ausência de um testículo, influência diabólica) são tão pueris que terminam por banalizar algo não facilmente banalizável.

Holocausto
Não sei se concordo com uma longa lista de estudiosos do Holocausto que julgam que os acontecimentos ligados à Segunda Guerra Mundial não deveriam ser estetizados, porque terminam fatalmente tornando aceitável, normal, um evento no limite irrepresentável, cuja compreensão adequada só poderia acontecer por quem esteve lá (e quase todos que lá estiveram morreram; os sobreviventes dizem, por outro lado, que nada do que possam testemunhar chegará perto da realidade). Mas é problemático não concordar que um livro como este fortalece muito a hipótese.
De qualquer modo, se a intenção é provocar debate (e mesmo polêmica), fica aqui a sugestão de uma obra que, se traduzida, faria isso de um jeito muito mais refinado e complexo, a novela "The Portage to San Cristóbal of A.H." (O transporte para San Cristóbal de A.H.), de George Steiner.
Ao contar como Hitler é encontrado vivo em 1977 e ao dar a ele voz, o escritor e crítico literário cria uma história -e um inferno- bem mais sombrio.


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

O CASTELO NA FLORESTA
Autor:
Norman Mailer
Tradução: Pedro Maia Soares
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 55 (430 págs.)
Avaliação: péssimo


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