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Crítica/"Rubem Braga - Um Cigano Fazendeiro do Ar"
Biografia desvenda a prosa rente à vida de Rubem Braga
Livro registra várias facetas do autor que criou uma nova linguagem jornalística
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"A coisa mais certa de
todas as coisas não
vale um caminho
sob o sol." Também não vale
um tuim criado no dedo; uma
mulher bonita; um coração de
mãe; um punhado de carambolas; uma noite de luar ou uma
caçada de paca.
Vários filósofos já sabiam
disso e procuraram, de todos os
jeitos, que sua filosofia abarcasse a verdade insofismável das
coisas. A verdade das "Boas
Coisas da Vida", nome de um
dos livros de Rubem Braga, de
quem está sendo lançada uma
biografia, escrita por Marco
Antonio de Carvalho.
Rubem sabia traduzir um punhado de carambolas de maneira exatamente paralela ao
sabor das carambolas; como se
não houvesse diferença entre
comê-las ou lê-las. E tudo isso,
como não poderia deixar de ser,
sempre de forma despretensiosa. Para ele, o Brasil não é o país
do samba e do futebol. É o país
do fim de tarde, da contemplação de um cajueiro, de uma tristeza indefinida, morna e às vezes um pouco alegre, porque,
como ele diz no livro: "O Brasil
mesmo não existe".
O país da vida besta, mas que
não tem nada melhor... A não
ser uma mulher bonita que, para o cronista, está acima de todas as religiões ("Deus fracassou mi-se-ra-vel-men-te!"), das
políticas e de qualquer moral.
"Uma mulher bonita e ruim é
melhor do que uma mulher feia
e boa." E esta biografia consegue dar conta de desvendar de
que maneira Rubem conseguia
escrever tão rente à vida.
Facetas
O livro registra o quase-comunista, o grande inimigo de
Vargas e de Alceu Amoroso Lima, o amigo de Drummond,
Bandeira, Vinicius, Otto Lara
Resende, Fernando Sabino,
Hélio Pellegrino, Clarice Lispector e muitos outros, o
amante real de Tônia Carrero e
platônico de Danusa Leão, o
correspondente da Segunda
Guerra, o jardineiro de uma cobertura em pleno Rio de Janeiro, o generoso tímido que acolheu Graciliano Ramos recém-saído da prisão.
E, apesar de ser "o pior conversador do mundo", criador de
frases como "Devo confessar
preliminarmente que, entre
um conde e um passarinho,
prefiro um passarinho" ou "Pai
Nosso que estais no céu, ficai aí
mesmo" e, dirigindo-se a Vargas: "Desejo-lhe um câncer no
cu, para tirar o gosto de sentar
no poder".
Braga, tão firme durante toda
sua vida, sem nunca fazer concessões políticas ou pessoais
(era o rabugento mais querido
das Redações de jornal), desencantou-se de quase tudo no final. Passou a concordar com
Stanislaw Ponte Preta, que dizia que "o capitalismo é a exploração do homem pelo homem.
O comunismo é exatamente o
contrário". E, como o Cândido
de Voltaire, foi cuidar de seu
jardim, só concedendo, de vez
em quando, a observação de alguns joelhos de belas mulheres.
Rubem criou uma nova linguagem jornalística e mostrou
que a fugacidade da crônica é
justamente sua maior virtude.
Segundo Ivan Lessa, "não se escreve mais como o Rubem. A
língua foi pras picas com ele. A
sensibilidade também. Acho
que nessa ordem". A tarefa agora é nossa. E não é tarefa fácil.
RUBEM BRAGA - UM CIGANO FAZENDEIRO DO AR
Autor: Marco Antonio de Carvalho
Editora: Globo
Quanto: R$ 44 (592 págs.)
Avaliação: ótimo
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