São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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Crítica/"Rubem Braga - Um Cigano Fazendeiro do Ar"

Biografia desvenda a prosa rente à vida de Rubem Braga

Livro registra várias facetas do autor que criou uma nova linguagem jornalística

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"A coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol." Também não vale um tuim criado no dedo; uma mulher bonita; um coração de mãe; um punhado de carambolas; uma noite de luar ou uma caçada de paca.
Vários filósofos já sabiam disso e procuraram, de todos os jeitos, que sua filosofia abarcasse a verdade insofismável das coisas. A verdade das "Boas Coisas da Vida", nome de um dos livros de Rubem Braga, de quem está sendo lançada uma biografia, escrita por Marco Antonio de Carvalho.
Rubem sabia traduzir um punhado de carambolas de maneira exatamente paralela ao sabor das carambolas; como se não houvesse diferença entre comê-las ou lê-las. E tudo isso, como não poderia deixar de ser, sempre de forma despretensiosa. Para ele, o Brasil não é o país do samba e do futebol. É o país do fim de tarde, da contemplação de um cajueiro, de uma tristeza indefinida, morna e às vezes um pouco alegre, porque, como ele diz no livro: "O Brasil mesmo não existe".
O país da vida besta, mas que não tem nada melhor... A não ser uma mulher bonita que, para o cronista, está acima de todas as religiões ("Deus fracassou mi-se-ra-vel-men-te!"), das políticas e de qualquer moral.
"Uma mulher bonita e ruim é melhor do que uma mulher feia e boa." E esta biografia consegue dar conta de desvendar de que maneira Rubem conseguia escrever tão rente à vida.

Facetas
O livro registra o quase-comunista, o grande inimigo de Vargas e de Alceu Amoroso Lima, o amigo de Drummond, Bandeira, Vinicius, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Clarice Lispector e muitos outros, o amante real de Tônia Carrero e platônico de Danusa Leão, o correspondente da Segunda Guerra, o jardineiro de uma cobertura em pleno Rio de Janeiro, o generoso tímido que acolheu Graciliano Ramos recém-saído da prisão.
E, apesar de ser "o pior conversador do mundo", criador de frases como "Devo confessar preliminarmente que, entre um conde e um passarinho, prefiro um passarinho" ou "Pai Nosso que estais no céu, ficai aí mesmo" e, dirigindo-se a Vargas: "Desejo-lhe um câncer no cu, para tirar o gosto de sentar no poder".
Braga, tão firme durante toda sua vida, sem nunca fazer concessões políticas ou pessoais (era o rabugento mais querido das Redações de jornal), desencantou-se de quase tudo no final. Passou a concordar com Stanislaw Ponte Preta, que dizia que "o capitalismo é a exploração do homem pelo homem.
O comunismo é exatamente o contrário". E, como o Cândido de Voltaire, foi cuidar de seu jardim, só concedendo, de vez em quando, a observação de alguns joelhos de belas mulheres.
Rubem criou uma nova linguagem jornalística e mostrou que a fugacidade da crônica é justamente sua maior virtude.
Segundo Ivan Lessa, "não se escreve mais como o Rubem. A língua foi pras picas com ele. A sensibilidade também. Acho que nessa ordem". A tarefa agora é nossa. E não é tarefa fácil.


RUBEM BRAGA - UM CIGANO FAZENDEIRO DO AR
Autor:
Marco Antonio de Carvalho
Editora: Globo
Quanto: R$ 44 (592 págs.)
Avaliação: ótimo


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