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GASTRONOMIA
"Delírio" de qualidade francês inspira Brasil
Cleo Velleda - 5.out.1999/Folha Imagem
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Adega no Vale dos Vinhedos (RS), primeira região do país em que o vinho tem origem demarcada |
Entidades começam a requerer selos que possam garantir a origem e a pureza de
seus produtos
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LUIZ HENRIQUE HORTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Novo governo, novas reivindicações. Enfim a gastronomia se encontra com a política.
Um monte de gente se ocupa agora em dar proteínas, calorias e nutrientes a quem precisa. E outras
tantas começam a tentar transformar essa comida em posse coletiva, para além da ração alimentar.
Então aceitemos, num primeiro
momento, que a comida seja reduzida a seu aspecto alimentício,
para suprir as necessidades dos
que passam fome. Mas em seguida é preciso que ela se torne prazerosa, entre num processo civilizatório, envolva os sentidos, seja
gostosa, saborosa e variada.
E já que há uma valorização do
produto nacional, que se aprofundem programas existentes,
ainda no início, como o que considerou o queijo do Serro como
patrimônio dos saberes, inscrito
para tanto num livro de tombos
do Ministério da Cultura, como
um modo de fazer queijo típico
daquela região de Minas e que
tem como resultado um queijo
com características inimitáveis.
O que antes parecia um delírio
afrancesado -ter regiões demarcadas e selos de autenticidade garantindo pureza e origem de alimentos- está em pleno exercício. Os vinicultores do Vale dos
Vinhedos, no Rio Grande do Sul,
se reuniram e criaram a primeira
região de origem demarcada para
vinhos no país.
Foi um processo que culminou
em um certificado expedido pelo
Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) no ano passado. É justamente essa entidade
que parece estar mais bem equipada legalmente para dar conta
dessa coisa de difícil definição que
é a comida e determinar duas
classes de produtos registráveis
como regionais: a indicação da
procedência, em que um local de
produção de algo é assim reconhecido (caso dos queijos mineiros) e a denominação de origem,
em que o local é reconhecido como possuidor de qualidades únicas para que dali saiam aqueles
produtos (caso dos vinhos).
E há tantos... como os cafés das
regiões sul de Minas Gerais e de
São Paulo e norte do Paraná, as
cachaças de Salinas, a goiabada de
Ponte Nova, os queijos de cabra
de Bueno Brandão, o dendê, a farinha de mandioca autêntica, fininha, correta. E estão aí alguns
apóstolos dessas idéias como o
chef francês Laurent Suaudeau,
que batalha anualmente pela inclusão em cardápios de vasta lista
comestível de produtos brasileiros de qualidade. "Uso um cupuaçu que é de chorar de tão bom."
Há quem ria, mas pensemos
que o queijo Roquefort só foi regulamentado em 1961, a região de
Champagne conseguiu exclusividade sobre o uso do nome há cerca de 20 anos e a tequila mexicana,
no ano passado.
São decisões comerciais e de reserva de mercados? Sim, mas
também de proteção de qualidade, como diz a nutricionista e pesquisadora Neide Rigo: "Além dos
aspectos culturais e econômicos,
a experiência de "denominação de
origem" representa para o consumidor uma garantia de qualidade
dada pela padronização (da matéria-prima, das normas sanitárias e
modos de produção), assegura a
qualidade e é aliada da segurança
alimentar e evita que um produto
passe por outro, valendo-se da
credibilidade que um nome consolidado dá, como no caso do
queijo Minas. Sabendo de onde
vem e como foi feito, temos certeza da autenticidade e assim até a
rastreabilidade fica mais fácil, no
caso de contaminação".
Laurent se antecipa aos que verão aí mais um avanço da famigerada globalização: "O Brasil só
tem a ganhar com isso. Ao contrário do que as pessoas pensam, vai
reforçar as regiões, vai acentuar a
origem regional, o produto artesanal, territorial e até mesmo gestual da produção". E acrescenta:
"O Brasil é de uma importância
singular na América do Sul, há
muito mais do que o café gourmet, que já conseguiu seu lugar. E
tanta coisa que pode se perder,
como os excelentes requeijões
cremosos de Minas, cheios de
possibilidades, mas que estão acabando em copinhos".
Entre a fome e o hedonismo, todos teremos que percorrer uma
longa estrada, mas começamos: a
gastronomia encontrou uma causa, deixou de ser um prazer solitário a ser descrito em rodas cada
vez mais especializadas e passa
pouco a pouco a ser um processo
mais amplo e generoso.
Libertos da tirania sufocante
dos comentários pedantes sobre
exclusividades, as temporadas de
trufas, as alterações nos microclimas de restaurantes, ou das intermináveis discussões sobre quem é
o melhor chef do mundo, podemos nos ocupar do alcance verdadeiro do ato de comer.
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