São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 2005

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"História da Cidade de São Paulo" conta em quase 2.000 páginas 400 anos da capital paulista

Saudosa maloca

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Está saindo do forno um dos trabalhos mais completos já realizados sobre a "saudosa maloca" "din-din-donde nóis passemos" 450 anos de nossas vidas.
Com quase 2.000 páginas divididas em três catataus de capa dura, está chegando às livrarias de todo o país a obra "História da Cidade de São Paulo", com ensaios de 44 especialistas nas mais diversas facetas da capital paulista.
É um bocado de fôlego. O projeto respira oxigênio no século 16, nos índios tupinambás, e só solta o ar nas festas do Quarto Centenário de São Paulo, em 1954.
Os 400 anos são loteados em ensaios temáticos feitos por sociólogos, arquitetos, historiadores, fotógrafos, antropólogos, geógrafos, cientistas políticos e críticos. Comandando toda essa tropa esteve a caçula do projeto, a historiadora Paula Porta.
Aos 36 anos, a idealizadora de "História da Cidade de São Paulo" já é uma veterana bandeirante do passado paulistano. Doutora pela USP, foi ela a coordenadora do ambicioso "Guia dos Documentos Históricos na Cidade de São Paulo" (Hucitec/Neps), de 1998, que descreveu 1.700 arquivos da capital.
É dela também a curadoria da "Coleção São Paulo", série de livros históricos e de teses inéditas sobre a cidade lançada em 2003 pela mesma editora Paz e Terra, que publica agora o megaprojeto sobre a história paulistana.
Porta, que também foi coordenadora dos projetos culturais da Comissão dos 450 anos da Prefeitura, começou a atual empreitada em 2001. "Sempre penso no que precisa ser feito, nas lacunas na historiografia sobre São Paulo. E às tantas percebi que existia muita pesquisa sobre a cidade, mas quase nada de síntese."
Ao enfiar o rosto nos arquivos das universidades comprovou a sua intuição original. Conseguiu fazer um levantamento de mais de 1.800 teses sobre a cidade, mas muito pouca bibliografia que propusesse amarras a isso tudo.
Dessa imersão inicial a historiadora tirou o "script" do projeto. "Arregaçou as mangas", expressão que usa mais de uma vez, e elaborou uma listagem dos temas que uma obra geral sobre São Paulo deveria ter e outra relação com os nomes dos principais pesquisadores dessas áreas.
Porta diz que não teve muitos problemas para "ligar os pontos" entre as duas listagens, apesar de ter encontrado muitos pesquisadores de ótimo nível para alguns temas e nenhum para outras poucas áreas, como "história da alimentação paulistana".
O elenco final de "História da Cidade de São Paulo" é heterogêneo. Entre os autores dos 47 capítulos do trio de livros estão pesquisadores ligados a diversas universidades (sobretudo às "quatro grandes" do Estado, USP, Unicamp, Unesp e PUC-SP), "desconhecidos" e consagrados, como as "referências" Carlos Lemos (arquitetura), que acumula dois capítulos, José de Souza Martins (sociólogo) ou Aracy Amaral (historiadora da arte).
A "diversidade" não é marca apenas do elenco de ensaístas da equipe de Paula Porta. A historiadora defende que do conjunto de artigos, que ela pretende que sejam lidos do início ao fim, pode-se extrair como um denominador comum a questão da diversidade de sua população, que cruza a história paulistana em diversos pontos.
"A diversidade pulula em todas as áreas. É a tônica da cidade e é muito maior do que se imagina."
A presença dos negros na cidade, tratada em mais de um capítulo, é um exemplo. "Tradicionalmente o fluxo de escravos era direcionado de determinadas regiões da África para determinadas regiões do Brasil. Quando o café começa a ganhar força este tráfico já não acontecia, e São Paulo puxa escravos de diferentes regiões decadentes do país, com culturas e origens diferentes. A migração deles pós-abolição traz para a cidade mais um elemento de diversidade", afirma.
A mesma diversidade é particularmente discutida nos capítulos sobre religiosidade, sobre a presença dos migrantes, dos imigrantes e até da população indígena da cidade, tema trabalhado por John Manuel Monteiro.
Todos os ensaios, que ocupam em média 40 páginas de livro cada, foram feitos especialmente para o projeto, em um prazo médio de um ano e meio, e todos tiveram, por contrato, duas versões (os autores fizeram um texto e o discutiam com a organizadora antes de fazerem a versão final).
Porta dividiu sua história da cidade em três blocos históricos. O primeiro livro se ocupa do período colonial (1554-1822), seguido do volume sobre o Império (1823-1889) e do tomo "A Primeira Metade do Século 20" (1890-1954).
Os dois primeiros volumes têm alguns capítulos que fogem à regra e discutem os quatro séculos englobados pelo projeto. São os ensaios "panorâmicos" (veja quadro ao lado). "Alguns temas não tinham densidade suficiente para render três capítulos."
Fecham cada volume um capítulo com uma cronologia detalhada do período abordado pelo livro e uma listagem de todos os governantes da cidade (incluindo até vereadores), elaborada pelo decano da empreitada, o historiador Hernâni Donato, 82.
Espalhadas pelos três livros estão ainda 380 imagens, selecionadas a partir de uma vasta pesquisa realizada por Porta, que arrolou 11 mil delas em um banco eletrônico. "O corte das imagens foi minha maior frustração no projeto. Estava prevista a inclusão de 1.500 em diálogo com o texto", diz a coordenadora.
Bancada pela Petrobrás, que investiu nele R$ 938 mil, por meio de lei de incentivo à cultura, "História da Cidade de São Paulo", terá mil exemplares doados a bibliotecas públicas. O lançamento oficial será no próximo dia 25, quando a "saudosa maloca" completa seus 451 anos.


HISTÓRIA DA CIDADE DE SÃO PAULO.
Organização: Paula Porta. Autores: vários. Editora: Paz e Terra. Patrocínio: Petrobrás. Quanto: R$ 140 (cada exemplar; 600 págs. em média cada um).
Quando: lançamento no dia 25/1, às 12h, no Museu Afro-Brasil (av. Pedro Álvares Cabral, s/nš, tel. 0/xx/11/5579-0593, parque Ibirapuera, São Paulo)


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