São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 2005

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CRÍTICA

Os incluídos e os excluídos

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Aviso: esta será, em princípio, a única coluna sobre o quinto "Big Brother Brasil". A não ser que haja algum fato novo, aí vem mais do mesmo. O roteiro, o "Brasil inteiro" já sabe como se desenrola. Vai entre aspas o "Brasil" por conta do significado a um tempo amplíssimo e apequenador que o país vem assumindo no jargão do "BBB".
Os participantes referem-se ao país como a entidade que tudo vê, repara e para a qual eles se exibem em toda a sua "gostosice" ou "esperteza" ou "idiossincrasia", dependendo do caso. Assim, a audiência do programa representaria o Brasil -e a pobre nação amesquinha-se, reduzindo-se a quem assiste ao "BBB".
Então, o tal do "Brasil" viu nesta semana o seleto grupo daqueles que vão se digladiar -com biquínis e sungas diminutos e toda a ginga moral que foi dada ao povo brasileiro- por R$ 1 milhão. Mas viu também os excluídos, aqueles de quem se pode rir à vontade, palhaços dos quais temos menos pudor em mangar.
Mesmo admitindo que a escolha seja de fato isenta, o grupo dos incluídos pela seleção, e não por sorteio, obedece a certos critérios bastante transparentes. Há uma espécie de correção da aparência, um código de possibilidades e impossibilidades na forma dos corpos, uma fronteira explícita que deixa de um lado aquilo que é admissível ver na TV e aquilo que não é, que parece ser partilhada por todos.
Tanto que o programa de apresentação dos concorrentes mostra, em tom evidentemente irônico, pequenos clipes daqueles que, na opinião da produção que é assumida como sendo a opinião geral, nem deveriam ter pensado que poderiam lá estar.
Eles são ou pobres demais ou velhos demais ou gordos demais ou ridículos demais para aspirarem à tela da TV. Assim, uma série de preconceitos, tratados como se fossem critérios naturais e partilhados por todos explicita-se e reproduz-se.
Em primeiro lugar, a pobreza mais evidente está de fora. As saletas e quartos apertados, as paredes sem pintura, a laje, a piscina improvisada -há que se manter as aparências. Se você é pobre, saiba ao menos disfarçar.
Em segundo, homens e mulheres, mas sobretudo elas, acima de um certo peso ou idade, o que essa gente acha que pode fazer no programa? A maneira como são montadas as imagens pretende-se eloqüente por si só: assim, a exibição de corpos, em uma palavra reais, é mostrada como se fosse uma piada, tipo só pode ser de sacanagem que essa dona quer ficar diante das câmeras.
No terceiro grupo estão os verdadeiramente espontâneos. São pessoas, como eu e você, que lêem o exibicionismo com olhos ingênuos e se revelam quase que sem mediação, sem vergonha, sem atinar que os comportamentos e as falas que passam na TV estão já há muito codificados.
Nada como um "reality show" para botar a televisão em seu lugar, ou seja, no triste papel de ser a mais poderosa disseminadora de preconceitos.


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