São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 2011

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Olha quem está falando

Sucesso de séries na TV aberta dá destaque a trabalho de dubladores ; profissionais costumam receber pouco e gravar sem ter acesso prévio a originais

Paula Giolito/Folhapress
PHILIPPE MAIA, 34

LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DE SÃO PAULO

Se você estiver vendo a série "Bones" na Band (ter., às 23h15; 14 anos) e ouvir uma voz familiar na personagem principal, deve ter assistido a algum desenho da Turma da Mônica recentemente. Ou então ao filme "Menina de Ouro", de Clint Eastwood.
A atriz Marli Bortoletto responde pela dublagem de Hilary Swank e também pela da baixinha dentuça criada por Mauricio de Sousa.
Seu parceiro em "Bones" é Affonso Amajones, que faz a voz do agente do FBI Seeley Booth. Embora os dois sejam inseparáveis no seriado, a vida real tem roteiro diferente.
Cada ator grava as falas em separado. Só no final eles reúnem o material. "Nem vejo a Marli", diz Amajones.
Ela conta que eles se falam por telefone sobre os personagens, mas que a rotina da dublagem não permite que os diálogos sejam feitos em conjunto. "Até para poder fazer com uma qualidade de áudio maior precisamos gravar separados. Mas sempre ouço o que Affonso fez se ele grava antes de mim."
O ideal de um dublador é que o trabalho não seja notado. "Se a dublagem salta, é porque está ruim", define Nestor Chiesse, responsável pelo Dexter do seriado homônimo na RedeTV! (seg., às 23h; 16 anos).
Já Amajones diz que não se prende ao que está escrito: "Não fico escravo do texto. Deixar mais coloquial ajuda o público a pensar que alguém está falando com ele".

PORCO OU ZUMBI
Mesmo com a internet, os atores quase nunca veem os episódios antes de gravar. Só na hora ficam sabendo qual é o trabalho. "Pode ser novela, documentário, um porquinho, um zumbi", diz Chiesse.
Também não recebem o roteiro antes. No estúdio, têm disponíveis apenas o original e as falas traduzidas. É assistir ao original e gravar.
"Nossa referência é o que o estrangeiro fez. O que me interessa é a linha de interpretação que ele deu, para eu fazer o mais próximo possível, só que com o nosso molho", conta Márcio Simões, que, entre outras vozes, assumiu o Jack Bauer de "24 Horas" (a partir de 3/1, de seg. a sex., após o "Jornal da Globo", na Globo; 16 anos).
Mas, às vezes, não ter as informações com antecedência dificulta. "No caso do Coringa em "Cavaleiro das Trevas", a cópia de trabalho veio somente com uma abertura no rosto dos atores para podermos ver a boca. Um papel difícil como aquele ficou ainda mais complicado."
Sem tempo de preparação, é necessário entrar no clima do personagem. "O que mais faz diferença é entrar na respiração do ator. Isso por si só já dá uma voz diferente da do dia a dia. O Phil de "Modern Family" (seg., às 23h15, na Band; classificação não informada) tem voz de bobão, não bate com a voz do Dexter", exemplifica Chiesse, que é dono das duas vozes.
Marli também conta que teve de fazer um estudo para achar o tom da dra. Brennan de "Bones". "Sou suave e doce. Ela é racional e seca. Aos poucos, fui afinando isso."
Algumas séries tiveram a dublagem transferida para o Rio após disputa de profissionais de São Paulo por direitos autorais. Entre elas, estão "24 Horas" e "Lost" (em fevereiro, em horário a definir, na Globo; 16 anos).
Sorte de Philippe Maia, escolhido para ser o Jack Shephard (Matthew Fox) da última. "Ele não é careteiro, então precisa de cuidado", conta Maia, que ganhou o papel desde o terceiro ano.

MAL PAGO
Para ser dublador no Brasil, é preciso ser ator. Normalmente, são autônomos e ganham por hora a partir de uma tabela fixa.
Por isso todos fazem audiolivros, comerciais, locução para TV e rádio, filmes, séries, desenhos -ou seja, o que aparecer.
A série garante um tempo do sustento, porque cada temporada leva cerca de dois meses para ser dublada. Mas há casos como o de "Dexter", em que 12 episódios foram feitos em quatro dias.
"Dublagem é técnica. Você apanha no início para pegar o jogo do olhar na tela e no texto e o sincronismo dos lábios", diz Luiz Antônio Lobue, o House nacional (qui., à 0h15, na Record, 14 anos).
"Mas, por exemplo, para fazer "Dexter" inteiro, ganhei o mesmo que em um comercial de carro de dez segundos em que eu tinha só uma fala", diz Chiesse.


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