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FOTOGRAFIA
Em entrevista, artista fala sobre sua musa Belém e sobre a exploração de "erros técnicos" para compor sua obra
Luiz Braga busca beleza na aparente precariedade
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ao acordar na manhã de ontem, em um flat na cidade de São
Paulo, o fotógrafo Luiz Braga se
sentiu deslocado ao "escancarar"
a janela e ver o céu cor-de-chumbo. "Houve uma época em que
pensei em vir morar aqui, mas
não tinha jeito, eu precisava da
luz. Da luz de Belém, da luz do
Norte", disse. A luz que permeia
seu trabalho, seu alfabeto visual e
a contribuição dos erros foram alguns dos temas da entrevista exclusiva concedida à Folha.
(EDER CHIODETTO)
Folha - Você sempre morou em
Belém, só fotografa a cidade, mas
nem por isso ela é seu tema central.
Como é isso?
Luiz Braga - Ao mesmo tempo
que meu trabalho só poderia ser
feito em Belém, por causa da luz
específica e da estética ribeirinha,
de fato não me preocupo em fazer
um estudo antropológico, embora meu trabalho até permita essa
leitura. No entanto, falo de uma
Amazônia sem jacarés nem índios. É a fotografia e suas possibilidades técnicas que me atraem.
Com o tempo percebi que o território do olhar é um espaço interior no qual está contido inclusive
o ambiente geográfico que me
cerca.
Folha - Ao pesquisar a reação de
determinados tipos de filmes em
certas condições de luz, você percebeu que havia erros de leitura e incorporou-os à sua produção...
Braga - Sim, comecei a me valer
do que chamo de "subversão do
day light". Eu sentia que precisava
encontrar um alfabeto visual próprio. Nos anos 80, ao fazer a foto
"Babá Patchouli" [reproduzida
na pág. E1], levei um susto: surgiu
um céu roxo sobre uma areia verde. Levei uns seis meses para assimilar essa fotografia. Hoje posso
dizer que ela foi a letra "A" da caligrafia que eu buscava. A partir de
então, passei a incorporar o que
seria uma falha como elemento
formal de minha linguagem. O
"erro" consiste em usar o filme de
cromo para luz do dia em situações de mistura de luzes de temperatura de cor diferentes, sem as
correções necessárias. Assim surgiram verdes surreais, azuis profundos no céu que se juntaram ao
dourado dos parques de diversão
que, combinados, acabaram por
constituir um alfabeto visual.
Folha - É um erro disciplinado?
Braga - Sim, disciplinado e que
ocorre no ato fotográfico. Quando a imagem vai ser ampliada,
não permito nenhuma interferência na cópia. No laboratório, gosto
de tudo certinho. Não sou adepto
da manipulação das cores no
computador.
Folha - Nesse alfabeto não há lugar para a cidade de Belém histórica, os prédios portugueses...
Braga - Verdade, sou tomado
pela estética cabocla, aquilo que a
alta classe da cidade chama pejorativamente de "caboclice", coisa
de caboclo, que é como eles se referem ao pessoal do interior. Gosto de achar a beleza na aparente
precariedade das coisas. Muitas
de minhas fotos são imagens de
ambientes ordinários vistos sob
uma luz extraordinária. Gosto de
transformar paisagens ordinárias
da cena paraense em banhos de
luzes.
Folha - São 30 anos de carreira,
sempre fotografando Belém. É preciso tanto tempo para tornar complexa a abordagem do trabalho?
Braga - Para fotografar um lugar, é necessário conviver profundamente com ele, entender a ação
da luz sobre as pessoas e a cultura.
Não sou adepto do safári fotográfico. Incomodo-me quando vêm
pessoas de fora fotografar o Pará,
por exemplo, e ficam na superfície, apontando suas câmeras para
tudo o que julgam estranho e exótico, sem entenderem nada do
que se passa. Não podemos ver os
outros como animais exóticos.
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