São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005

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FOTOGRAFIA

Em entrevista, artista fala sobre sua musa Belém e sobre a exploração de "erros técnicos" para compor sua obra

Luiz Braga busca beleza na aparente precariedade

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ao acordar na manhã de ontem, em um flat na cidade de São Paulo, o fotógrafo Luiz Braga se sentiu deslocado ao "escancarar" a janela e ver o céu cor-de-chumbo. "Houve uma época em que pensei em vir morar aqui, mas não tinha jeito, eu precisava da luz. Da luz de Belém, da luz do Norte", disse. A luz que permeia seu trabalho, seu alfabeto visual e a contribuição dos erros foram alguns dos temas da entrevista exclusiva concedida à Folha.
(EDER CHIODETTO)

 

Folha - Você sempre morou em Belém, só fotografa a cidade, mas nem por isso ela é seu tema central. Como é isso?
Luiz Braga -
Ao mesmo tempo que meu trabalho só poderia ser feito em Belém, por causa da luz específica e da estética ribeirinha, de fato não me preocupo em fazer um estudo antropológico, embora meu trabalho até permita essa leitura. No entanto, falo de uma Amazônia sem jacarés nem índios. É a fotografia e suas possibilidades técnicas que me atraem. Com o tempo percebi que o território do olhar é um espaço interior no qual está contido inclusive o ambiente geográfico que me cerca.

Folha - Ao pesquisar a reação de determinados tipos de filmes em certas condições de luz, você percebeu que havia erros de leitura e incorporou-os à sua produção...
Braga -
Sim, comecei a me valer do que chamo de "subversão do day light". Eu sentia que precisava encontrar um alfabeto visual próprio. Nos anos 80, ao fazer a foto "Babá Patchouli" [reproduzida na pág. E1], levei um susto: surgiu um céu roxo sobre uma areia verde. Levei uns seis meses para assimilar essa fotografia. Hoje posso dizer que ela foi a letra "A" da caligrafia que eu buscava. A partir de então, passei a incorporar o que seria uma falha como elemento formal de minha linguagem. O "erro" consiste em usar o filme de cromo para luz do dia em situações de mistura de luzes de temperatura de cor diferentes, sem as correções necessárias. Assim surgiram verdes surreais, azuis profundos no céu que se juntaram ao dourado dos parques de diversão que, combinados, acabaram por constituir um alfabeto visual.

Folha - É um erro disciplinado?
Braga -
Sim, disciplinado e que ocorre no ato fotográfico. Quando a imagem vai ser ampliada, não permito nenhuma interferência na cópia. No laboratório, gosto de tudo certinho. Não sou adepto da manipulação das cores no computador.

Folha - Nesse alfabeto não há lugar para a cidade de Belém histórica, os prédios portugueses...
Braga -
Verdade, sou tomado pela estética cabocla, aquilo que a alta classe da cidade chama pejorativamente de "caboclice", coisa de caboclo, que é como eles se referem ao pessoal do interior. Gosto de achar a beleza na aparente precariedade das coisas. Muitas de minhas fotos são imagens de ambientes ordinários vistos sob uma luz extraordinária. Gosto de transformar paisagens ordinárias da cena paraense em banhos de luzes.

Folha - São 30 anos de carreira, sempre fotografando Belém. É preciso tanto tempo para tornar complexa a abordagem do trabalho?
Braga -
Para fotografar um lugar, é necessário conviver profundamente com ele, entender a ação da luz sobre as pessoas e a cultura. Não sou adepto do safári fotográfico. Incomodo-me quando vêm pessoas de fora fotografar o Pará, por exemplo, e ficam na superfície, apontando suas câmeras para tudo o que julgam estranho e exótico, sem entenderem nada do que se passa. Não podemos ver os outros como animais exóticos.


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