São Paulo, sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

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O ator Ken Watanabe fala à Folha das dificuldades para encarnar o protagonista de "Cartas de Iwo Jima"

"Não sabemos lidar com nossos fracassos"

EDUARDO GRAÇA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

"Cartas de Iwo Jima" conta com um elenco quase exclusivamente japonês, centrado na figura do general Tadamishi Kuribayashi. Para encarnar o homem que conseguiu conter as forças americanas por mais de 36 dias, Clint Eastwood escolheu Ken Watanabe, 47, o mais importante ator japonês de seu tempo, conhecido por "O Último Samurai" e "Memórias de uma Gueixa". Leia a seguir a entrevista que o ator concedeu à Folha.

 

FOLHA - "Cartas de Iwo Jima" é um sucesso de bilheteria no Japão. O sr. acha que isso se deve ao tratamento respeitoso de Eastwood ao tema?
KEN WATANABE -
Sim, mas, como ator, com a visão de quem estava dentro do filme, posso dizer que o sucesso se deve também à maneira calma como Clint comanda um set de filmagem. Ele estava lidando com um elenco exclusivamente japonês e teve de usar três tradutores para finalizar as filmagens, o que é um trabalho extra, mas não perdeu a delicadeza jamais.

FOLHA - Vocês conseguiram a permissão para filmar na ilha, considerada solo sagrado pelos japoneses. Como foi a sensação?
WATANABE -
Durante quatro anos eu me preparei como nunca para encarnar o general Kuribayashi. Visitei a cidade em que ele foi criado, uma localidade pequenina e tradicional nos cafundós do Japão. Li tudo o que pude sobre ele. Mas fundamental mesmo foi ter ido a Iwo Jima. A ilha não é um lugar muito cultuado por nós, japoneses, que temos uma dificuldade endêmica em lidar com nossos fracassos.
O governo de Tóquio nos deu apenas um dia para ir lá. No fim de um dia intenso, fomos todos, americanos e japoneses, até o monte Suribachi, cume da ilha, onde erguemos um memorial para os mortos. Foi uma experiência intensa, pude de fato sentir o espírito dos soldados que lá pereceram e percebi que tínhamos a obrigação de contar a história daqueles homens. E que tínhamos de fazê-lo juntos, americanos e japoneses. Foi ali que encontrei o sentido mais profundo para fazermos "Cartas de Iwo Jima".

FOLHA - Há hoje um grande debate no Japão opondo os defensores da Constituição pacifista do país e os que consideram fundamental a militarização nacional. O senhor tem alguma opinião sobre o tema?
WATANABE -
Minha posição está explicitada no filme. Espero que todos os muitos japoneses que foram aos cinemas ver o filme tenham refletido muitíssimo bem sobre se é mesmo tão fundamental assim incrementarmos a corrida armamentista no Extremo Oriente.

FOLHA - Como o senhor se sente quando é abordado por fãs, felizes em conversar com o ator mais japonês mais famoso de sua geração?
WATANABE -
Eu acho tudo isso muito engraçado. No fim, honestamente, acaba me dando mais receio do que prazer. Sou uma pessoa que cultiva diariamente a humildade e que, no momento, por exemplo, está mais preocupado em saber como a comunidade japonesa no Brasil vai receber "Cartas de Iwo Jima". Tenho grande interesse sobre esta faceta da história japonesa, a imigração para São Paulo, e adoraria produzir algo no Brasil.


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