São Paulo, segunda-feira, 16 de abril de 2007

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GUILHERME WISNIK

Selo verde, cortina de fumaça


A arquitetura sustentável é, em grande medida, um álibi politicamente correto para uma era de vazio ideológico

SUSTENTABILIDADE É o tema da vez na arquitetura contemporânea. O conceito é um guarda-chuva embaixo do qual cabe muita coisa: desde casinhas e galpões de madeira construídos na região alpina da Áustria até os novos arranha-céus de Manhattan, feitos com dupla "pele de vidro", mecanismos de troca de calor com o terreno, reutilização de água de chuva, sistemas de circulação de ar por diferença de pressão etc. Além disso, é também o principal tema de publicações, seminários e premiações internacionais, somando-se à moda tecnológica precedente dos chamados "edifícios inteligentes".
Não há dúvida de que se trata de um problema urgente, no contexto da preocupação crescente com o consumo de energia, emissão de poluentes na atmosfera e aquecimento global. Conseqüentemente, as construções passam a ser concebidas como organismos vivos, corpos que trocam energia com o entorno e que têm uma vida útil. Vendo em uma linha de longa duração, é como se a consciência humana estivesse finalmente superando a etapa predadora de sua evolução, simbolizada por cidades que surgiram a partir do trinômio fábrica, estrada de ferro e mina de carvão. É significativo que nesse deslocamento do mecânico ao energético a antiga ênfase no "esqueleto" das construções tenha sido transferida para a sua "pele".
No entanto, apesar de revestir-se de boas intenções, envoltas em uma aura de compromisso ético que há tempos estava distante da agenda arquitetônica, a "green architecture" é uma indústria que responde a uma conjuntura precisa: a alta no preço do petróleo e a enorme demanda de combustível fóssil pela acelerada urbanização da Ásia, em um contexto geral de prosperidade econômica e boom imobiliário. Nesse sentido é que difere do ecologismo dos anos 70, surgido num momento de crise e fascinação por uma utopia pré-capitalista. Hoje, como observa o crítico espanhol Luis Fernández-Galiano, "Robinson Crusoé foi substituído pelo tecnocrata".
Impulsionada pela oscilação econômica, a arquitetura sustentável é, em grande medida, um álibi politicamente correto para uma era de vazio ideológico, de ausência de qualquer compromisso social coletivo. Construindo edifícios autenticados pelo selo moral de "ecologicamente responsável" e obtendo subvenções econômicas por isso, as grandes empresas se eximem de discutir a fundo o funcionamento das cidades: a organização fundiária, o transporte individual motorizado, a poluição dos rios e o espalhamento da mancha urbana atraído pela especulação imobiliária. Fica evidente que, nesse contexto, o edifício ecológico é apenas um paliativo.
Mas o que há por trás dessa cortina de fumaça? Aparentemente, um modo de simplesmente manter o "laissez-faire" capitalista, dando-lhe um verniz politicamente correto. Quer dizer: transformar a ecologia em publicidade voluntarista, do tipo "faça você mesmo", enquanto se sabe que as grandes decisões futuras se darão em âmbito macroeconômico, na disputa velada por reservas alternativas de energia, matéria-prima e água.


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