São Paulo, quinta-feira, 16 de abril de 2009

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Crítica/erudito

Espetáculo sobre Händel tem coragem de mudar

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Que um concerto todo dedicado à música de Händel (1685-1759) caísse precisamente no dia em que se celebrava seu bicentenário de morte era uma coincidência significativa. Podia-se imaginar uma noite especial, escutando o Coral da Academia do Festival de Música de Schleswig-Holstein, com a Orquestra Elbipolis, sob a regência de Rolf Beck.
Se na hora H, anteontem, as coisas não foram tão quentes na Sala São Paulo, isso tem mais a ver com o formato da aula-concerto, que combina sem muito engenho um pot-pourri de peças do compositor com comentários falados.
A música clássica esteve, está e estará sempre sob o risco, real ou imaginado, de perder seu público. Nessas circunstâncias, só se pode aplaudir quem tem a coragem de inventar novas formas de concerto. Puristas reclamariam da sequência de obras para coro e orquestra, extraídas de oratórios diversos de Händel. Mas a vida é curta e a música longa demais para purismos.
Também não há por que reclamar da ideia de justapor música e textos. O anti-intelectualismo vigora no meio musical desde a época do próprio Händel, que padeceu por décadas na Inglaterra, acusado de escrever música "difícil", até se tornar o "compositor nacional" no fim da vida.
Se havia do que reclamar, aqui, era justamente da falta de voo nas falas, limitadas quase exclusivamente a traços biográficos superficiais, que afinal não enriquecem a escuta.
De um lado do palco sentava-se o ator Sérgio Viotti, em trajes setecentistas, incluindo peruca, no papel do compositor. Do outro, encenado por Daniel Warren, seu biógrafo, o romancista Romain Rolland (1866-1944), Prêmio Nobel em 1915, hoje esquecido. Um e outro disseram seus textos com artificiosa naturalidade, mas não havia como tirar leite da falta de pedras: nenhum sopro de dramaturgia, nenhuma brisa de ideia. Acidentes da vida, viagens, doenças, política grande e pequena -e a noção tácita de que isso, de alguma forma, explicaria a música.
O contrário talvez esteja mais perto da verdade. A música de Händel tem poderes; e a cada vez que a orquestra atacava um "fugato", a cada vez que o coro entoava seus triunfos e tribulações, não havia como não reagir. A Orquestra Elbipolis -de Elba, o rio Elba, em Hamburgo- faz um barroco leve e ligeiro, sem muito ornamento.
Cabelos modernos, gravatas coloridas, ripongas no violoncelo e no contrabaixo: uma moçada alegre, mandando ver. O coro parece mais careta, mas só na aparência, não na música. Antes da Sala São Paulo, a Elbipolis foi a Heliópolis, para seis oficinas no Instituto Baccarelli. Isso sim teria feito a alegria do compositor. Dois séculos e meio depois de sua morte, a música de Händel continua viva entre crianças e adolescentes na periferia de uma cidade do Brasil. "Whatever is, is right" (Seja o que for, é o que deve ser), canta o coro em "Jephtha" (1751). Da perspectiva da eternidade, talvez; aqui, na prática, não.
A própria música de Händel é uma das coisas que faz diferença, para que as coisas não sejam sempre como são.


HAENDEL GALA

Quando e onde: hoje, às 20h, na sala Cecília Meireles (largo da Lapa, 47, Rio de Janeiro; tel. 0/xx/21/2332-9160); e no domingo, dia 19, às 11h, na parte externa do Auditório Ibirapuera, em versão reduzida, sem atores
Quanto: R$ 40 e R$ 80, no Rio; gratuito, em São Paulo
Classificação indicativa: livre
Avaliação: bom



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