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Crítica/erudito
Espetáculo sobre Händel tem coragem de mudar
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Que um concerto todo
dedicado à música de
Händel (1685-1759)
caísse precisamente no
dia em que se celebrava seu bicentenário de morte era uma
coincidência significativa. Podia-se imaginar uma noite especial, escutando o Coral da
Academia do Festival de Música de Schleswig-Holstein, com
a Orquestra Elbipolis, sob a regência de Rolf Beck.
Se na hora H, anteontem, as
coisas não foram tão quentes
na Sala São Paulo, isso tem
mais a ver com o formato da aula-concerto, que combina sem
muito engenho um pot-pourri
de peças do compositor com
comentários falados.
A música clássica esteve, está
e estará sempre sob o risco, real
ou imaginado, de perder seu
público. Nessas circunstâncias,
só se pode aplaudir quem tem a
coragem de inventar novas formas de concerto.
Puristas reclamariam da sequência de obras para coro e orquestra, extraídas de oratórios
diversos de Händel. Mas a vida
é curta e a música longa demais
para purismos.
Também não há por que reclamar da ideia de justapor música e textos. O anti-intelectualismo vigora no meio musical
desde a época do próprio Händel, que padeceu por décadas
na Inglaterra, acusado de escrever música "difícil", até se
tornar o "compositor nacional"
no fim da vida.
Se havia do que reclamar,
aqui, era justamente da falta de
voo nas falas, limitadas quase
exclusivamente a traços biográficos superficiais, que afinal
não enriquecem a escuta.
De um lado do palco sentava-se o ator Sérgio Viotti, em trajes
setecentistas, incluindo peruca, no papel do compositor. Do
outro, encenado por Daniel
Warren, seu biógrafo, o romancista Romain Rolland (1866-1944), Prêmio Nobel em 1915,
hoje esquecido. Um e outro disseram seus textos com artificiosa naturalidade, mas não havia como tirar leite da falta de
pedras: nenhum sopro de dramaturgia, nenhuma brisa de
ideia. Acidentes da vida, viagens, doenças, política grande e
pequena -e a noção tácita de
que isso, de alguma forma, explicaria a música.
O contrário talvez esteja
mais perto da verdade. A música de Händel tem poderes; e a
cada vez que a orquestra atacava um "fugato", a cada vez que o
coro entoava seus triunfos e tribulações, não havia como não
reagir. A Orquestra Elbipolis
-de Elba, o rio Elba, em Hamburgo- faz um barroco leve e
ligeiro, sem muito ornamento.
Cabelos modernos, gravatas coloridas, ripongas no violoncelo e no contrabaixo: uma moçada alegre, mandando ver. O
coro parece mais careta, mas só
na aparência, não na música.
Antes da Sala São Paulo, a Elbipolis foi a Heliópolis, para
seis oficinas no Instituto Baccarelli. Isso sim teria feito a alegria do compositor. Dois séculos e meio depois de sua morte,
a música de Händel continua
viva entre crianças e adolescentes na periferia de uma cidade
do Brasil. "Whatever is, is
right" (Seja o que for, é o que
deve ser), canta o coro em
"Jephtha" (1751). Da perspectiva da eternidade, talvez; aqui,
na prática, não.
A própria música de Händel é
uma das coisas que faz diferença, para que as coisas não sejam
sempre como são.
HAENDEL GALA
Quando e onde: hoje, às 20h, na sala
Cecília Meireles (largo da Lapa, 47, Rio
de Janeiro; tel. 0/xx/21/2332-9160); e
no domingo, dia 19, às 11h, na parte externa do Auditório Ibirapuera, em versão reduzida, sem atores
Quanto: R$ 40 e R$ 80, no Rio; gratuito,
em São Paulo
Classificação indicativa: livre
Avaliação: bom
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