São Paulo, Sexta-feira, 16 de Abril de 1999
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CRÍTICA
Longa se desintegra em colagem de alegorias

da Equipe de Articulistas

"Tiradentes" é um filme irregular, híbrido, de difícil apreensão. Em vez de narrar de modo unívoco a trajetória do personagem e sua inserção na história, o diretor optou por uma colagem de sequências díspares quanto ao ponto de vista, ao tratamento dramático e ao estilo de exposição.
Há trechos ostensivamente teatrais, sequências de deboche, cenas realistas, pitadas de metalinguagem (por exemplo, Joaquim Silvério dos Reis falando à câmera), um pouco de ação, algum romance e muita mulher pelada.
O próprio Tiradentes (Humberto Martins) parece meio perdido em meio a tantas informações visuais e auditivas, grandes personagens e pequenos eventos.
Embora tenha havido uma pesquisa exaustiva, a intenção alegórica é muito mais palpável que a preocupação com o realismo da reconstituição histórica.
O filme já abre com uma alegoria do Éden tropical, em que um grupo de membros da classe dominante colonial banqueteia na mata entre mulheres nuas. Mas é, do ponto de vista deles, um paraíso do qual temem ser expulsos, dada a agitação separatista local.
A exposição da conspiração, inspirada nas idéias liberais norte-americanas, vai ser feita de mistura com eventos do dia-a-dia, numa atmosfera saturada de referências pictóricas e literárias.
"Tableaux vivants" remetem a telas famosas de Velázquez e Caravaggio, os diálogos citam Boccaccio e, num anacronismo deliberado, Edgar Alan Poe (anacronismo mais acintoso é o uso de uma canção de Bob Dylan).
Essas referências, detalhadamente explicadas no livro com o roteiro comentado, talvez surjam ao espectador não-iniciado como meros elementos de dispersão.
Paciência. A opção por uma narrativa descontínua e intertextual é legítima e até mais honesta que a reconstrução linear da história com pretensões à veracidade.
Mas a ausência de unidade estética parece estar ligada à ausência de uma interpretação do sentido da Inconfidência. Parece que Caldeira se entregou ludicamente ao desenho de cada peça de um quebra-cabeças que, afinal, não junta.
Limita-se a espalhar idéias e inquietações. Só isso, no nosso cineminha bem-comportado, já é um grande mérito.
(JGC)


Avaliação:


Filme: Tiradentes Direção: Oswaldo Caldeira Com: Humberto Martins, Julia Lemmertz, Giulia Gam, Paulo Autran Onde: a partir de hoje, no Espaço Unibanco


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