São Paulo, quarta-feira, 16 de maio de 2007

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

Bye-bye, Tony

Falar de Blair é falar, em termos partidários, do mais longo consulado trabalhista da história do Reino Unido

TONY BLAIR diz adeus a Downing Street. Não ouço aplausos em volta. Fato: os ingleses nunca foram afetuosos com seus políticos. Churchill é hoje figura gigantesca do século 20 e, sem exagero, foi sacramental na vitória dos aliados na Segunda Guerra.
Em 1945, os ingleses agradeceram o heroísmo do velho Winston. E depois indicaram-lhe a porta da rua, votando em Attlee. Todas as carreiras políticas terminam em fracasso. Na Inglaterra, todas as carreiras políticas terminam num fracasso ainda mais amargo.
Injusto. Falar de Blair é falar, em termos partidários, do mais longo consulado trabalhista da história do Reino Unido, um fato que a velha guarda do partido não perdoa nem compreende. Pelo contrário: lemos os obituários de Blair, e a acusação é recorrente. Blair não tocou na herança Thatcher em matéria econômica e procurou, com a célebre Terceira Via, conservar o neoliberalismo com uns pós de consciência social. Um traidor sem memória nem princípios, dizem.
Os críticos de Blair esquecem, ou então ignoram, que foi precisamente pelo fato de Blair não ter mexido na herança Thatcher que os trabalhistas regressaram ao poder depois de 18 anos de deserto. Sem posicionar o partido ao centro, enterrando os últimos tiques estatistas de uma esquerda jurássica, o deserto te- ria continuado. Um traidor? Qualquer partido gostaria de um trai- dor assim.
Qualquer partido e qualquer país. Verdade que a Inglaterra não resolveu problemas sérios na educação e na saúde, onde o investimento maciço no serviço público oferece resultados pouco inspiradores. E o crime subiu nos dez anos de Blair, conseqüência inevitável dos falhanços trabalhistas nas políticas de família.
Mas, em contrapartida, o crescimento econômico foi permanente, ainda que agrilhoado por carga fis- cal excessiva. Qualquer europeu, hoje, sabe que a possibilidade de um futuro está em Londres, não em Bruxelas ou Paris. Quando Sarkozy, presidente francês recentemente eleito, afirma que Londres é a sétima cidade francesa (300 mil gauleses vivem e trabalham na capital), é difícil não perceber um certo tom de admiração e inveja na voz do novo Napoleão.
Isso não basta? Naturalmente que não. Geoffrey Wheatcroft, em artigo recente para o "Financial Times", relembrava que Neville Chamberlain foi um mago econômico entre 1931 e 1937, ressuscitando as finanças britânicas depois da Grande Depressão. Mas Chamberlain estará sempre associado a uma palavra: "Munique". A capitulação face a Hitler é o seu epitáfio.
O verdadeiro julgamento sobre Blair não será feito agora. Será feito amanhã, com o destino do Oriente Médio nas próximas gerações. Saberemos então se a "Munique" de Blair se escreve nas areias de Bagdá, como se presume. Seria uma suprema injustiça para o mais brilhante político da sua geração, cujo estilo e substância é copiado sem disfarce por David Cameron, o delfim conservador que se segue. Mas quem procura a justiça na arena política está seriamente equivocado.


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