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"O ADVERSÁRIO"
Nicole Garcia escapa de psicologismo
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Antes de focar "O Adversário", peguemos a figura do
impostor e pensemos em "Prenda-me se For Capaz", filme americano de 2002 que se passa nos
anos 60, brilhante exercício em
reprocessamento.
No cinema americano atual, o
impostor reflete a celebração do
talento e, sobretudo, um "american way "X'": meio fossilizado e
fora da lei. Ainda assim, uma festa
de imagens do vencer.
Em "O Adversário", que está
mais para um funeral desse tipo
de imagens, o impostor reflete organização moderna das coisas e,
principalmente, fastio. Um mundo que já não pode ser projetado
sem gravatas, avanço tecnológico
e conforto. São conceitos imperativos que formam e deformam
comportamentos.
Aqui, a maior anomalia é o ócio,
e sem contribuir para o funcionamento das engrenagens não há
sequer identidade. O médico de
fachada francês passeia morbidamente pelas dependências do prédio de sofisticada arquitetura no
qual diz que trabalha. Tranca-se
no quarto de um hotel por dias e
visita os pais para tirar uma soneca que durará a tarde inteira. Ele
tem mulher e filhos, mas é como
se não tivesse, como se fossem bonecos distantes, seres do jogo
"The Sims". Quase alucinações.
Em "O Adversário", não há sonho ou pesadelo. Nicole Garcia
reflete traços que já estão incorporados ao que se vive. Pega mal não
produzir, não há caracterização
própria sem progredir.
E como será abordado o tal médico? Garcia vai chegar perto, mas
com algidez. Vai se infiltrar nos silêncios e na intimidade, mas não
vai submeter Jean-Marc à detecção. É o que faz de "O Adversário", livre do psicologismo, um
belo filme. Temos um rosto em
todos os seus ângulos, ou seja, pele. A imagem não pretenderá traduzir o que não se pode ver.
Para Garcia, o cinema é o privilégio de estar na companhia dessa
figura anômala e de alguns de
seus fantasmas, e só. É seguramente seu melhor filme até agora.
(CLAUDIO SZYNKIER)
O Adversário
L'Adversaire
Direção: Nicole Garcia
Produção: França/Suíça/Espanha, 2002
Com: Daniel Auteuil, Geraldine Pailhas
Quando: a partir de hoje, no HSBC Belas
Artes
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