São Paulo, sexta-feira, 16 de julho de 2004

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"O ADVERSÁRIO"

Nicole Garcia escapa de psicologismo

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Antes de focar "O Adversário", peguemos a figura do impostor e pensemos em "Prenda-me se For Capaz", filme americano de 2002 que se passa nos anos 60, brilhante exercício em reprocessamento.
No cinema americano atual, o impostor reflete a celebração do talento e, sobretudo, um "american way "X'": meio fossilizado e fora da lei. Ainda assim, uma festa de imagens do vencer.
Em "O Adversário", que está mais para um funeral desse tipo de imagens, o impostor reflete organização moderna das coisas e, principalmente, fastio. Um mundo que já não pode ser projetado sem gravatas, avanço tecnológico e conforto. São conceitos imperativos que formam e deformam comportamentos.
Aqui, a maior anomalia é o ócio, e sem contribuir para o funcionamento das engrenagens não há sequer identidade. O médico de fachada francês passeia morbidamente pelas dependências do prédio de sofisticada arquitetura no qual diz que trabalha. Tranca-se no quarto de um hotel por dias e visita os pais para tirar uma soneca que durará a tarde inteira. Ele tem mulher e filhos, mas é como se não tivesse, como se fossem bonecos distantes, seres do jogo "The Sims". Quase alucinações.
Em "O Adversário", não há sonho ou pesadelo. Nicole Garcia reflete traços que já estão incorporados ao que se vive. Pega mal não produzir, não há caracterização própria sem progredir.
E como será abordado o tal médico? Garcia vai chegar perto, mas com algidez. Vai se infiltrar nos silêncios e na intimidade, mas não vai submeter Jean-Marc à detecção. É o que faz de "O Adversário", livre do psicologismo, um belo filme. Temos um rosto em todos os seus ângulos, ou seja, pele. A imagem não pretenderá traduzir o que não se pode ver.
Para Garcia, o cinema é o privilégio de estar na companhia dessa figura anômala e de alguns de seus fantasmas, e só. É seguramente seu melhor filme até agora. (CLAUDIO SZYNKIER)


O Adversário
L'Adversaire

   
Direção: Nicole Garcia
Produção: França/Suíça/Espanha, 2002
Com: Daniel Auteuil, Geraldine Pailhas
Quando: a partir de hoje, no HSBC Belas Artes



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