São Paulo, sexta-feira, 16 de julho de 2004

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"JOGO DE SEDUÇÃO"

Estreante embaralha códigos do folhetim e do cinema radical

CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Do que trata "Jogo de Sedução", do roteirista e diretor Matthew Parkhill? A princípio, Kit (Gael García Bernal) e Carmem (Natalia Verbeke), dois estrangeiros, em amplos sentidos, passeiam e se apaixonam em Londres, mas ela tem noivo (interpretado por James d'Arcy). Tudo isso importa pouco.
E o que é importante, então? Importante é que será trabalhada uma estrutura que joga com as várias peles e camuflagens da imagem e, conseqüentemente, com crenças do espectador. Isso vem sendo experimentado com certa freqüência ultimamente.
Aqui, na construção dessa estrutura, duas chaves. Em uma, há a reciclagem de princípios folhetinescos. Na outra, a idealização, ou a sugestão, de um cinema radical, cru. Nenhuma faz muito sentido como cinema, ambas na via do artificial mais gasto.

Déjà vu
Na do folhetim, o áudio devassa os ambientes. Gêneros -suspense e melodrama- e sentimentos -conflito e dor-de-cotovelo- são programados em coordenadas estranhas: as atmosferas, entre um expressionismo gratuito em sua embalagem dark e um espanholismo exportação, levam a um déjà vu meio cafona. Já se viu tudo isso antes, em carpintarias mais competentes.
Na outra chave, a do cinema radical sugerido, acredita-se no cinema apenas como modo de tornar a realidade um fetiche. Sabe-se que aqui há marcas de uma câmera suja e pelada que, em seu timbre naturalista, se esforça para dizer que está presente.
Acontece que o cinema folhetinesco é a substância deste, o do realismo cru. O cinema radical, um "novo cinema", versa, então, sobre um folhetim de segunda. A ficção como fetiche vai dar forma ao fetiche da realidade.

"Filmes ruins"
Dois "filmes ruins", e deles surge uma reflexão sobre a imagem. Parte-se de um tempo, o de hoje, no qual, segundo "Jogo de Sedução", a imagem e a experiência humana, mesmo a afetiva, não têm mais tanto para onde ir. Ambas, imagem e experiência, são reconfiguradas todo dia. Uma se funde à outra, vide "reality shows", até esses já em desgaste, metamorfoseados a cada estação de mercado.
Daí que, dentro do filme, os registros (gravados, fotografados) são um tipo de droga, não da alucinação ou da perpetuação da memória. Antes, da reinvenção das sensações. "Jogo de Sedução", o pacote completo, digamos, comenta tudo isso com ironia. Curiosamente, este filme "por inteiro" simula o uso de outros itens, o próprio roteiro -o contar a historia- e a montagem, como fetiches de criação.
Não por acaso, o tema principal aqui é ser deus, aquele que pode supervisionar, com lentes, os passos, fabricar experiências e imagens e impor desígnios. Nisso se inclui, até com algum sarcasmo, o próprio Parkhill.
Talvez o diretor, que só tinha feito um episódio de uma série para TV, não faça mais nada de interesse. Este é, porém, um filme de roteirista que, esperto, sabe manipular o que há de blefe e artificial nas imagens.


Jogo de Sedução
Dot the I
   
Produção: Reino Unido/ Espanha, 2003
De: Matthew Parkhill
Com: Gael García Bernal, Natalia Verbeke, James d'Arcy
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Market Place Playarte, Sala UOL de Cinema e circuito



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