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"JOGO DE SEDUÇÃO"
Estreante embaralha códigos do folhetim e do cinema radical
CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Do que trata "Jogo de Sedução", do roteirista e diretor
Matthew Parkhill? A princípio,
Kit (Gael García Bernal) e Carmem (Natalia Verbeke), dois estrangeiros, em amplos sentidos,
passeiam e se apaixonam em
Londres, mas ela tem noivo (interpretado por James d'Arcy). Tudo isso importa pouco.
E o que é importante, então?
Importante é que será trabalhada
uma estrutura que joga com as
várias peles e camuflagens da
imagem e, conseqüentemente,
com crenças do espectador. Isso
vem sendo experimentado com
certa freqüência ultimamente.
Aqui, na construção dessa estrutura, duas chaves. Em uma, há
a reciclagem de princípios folhetinescos. Na outra, a idealização, ou
a sugestão, de um cinema radical,
cru. Nenhuma faz muito sentido
como cinema, ambas na via do artificial mais gasto.
Déjà vu
Na do folhetim, o áudio devassa
os ambientes. Gêneros -suspense e melodrama- e sentimentos
-conflito e dor-de-cotovelo-
são programados em coordenadas estranhas: as atmosferas, entre um expressionismo gratuito
em sua embalagem dark e um espanholismo exportação, levam a
um déjà vu meio cafona. Já se viu
tudo isso antes, em carpintarias
mais competentes.
Na outra chave, a do cinema radical sugerido, acredita-se no cinema apenas como modo de tornar a realidade um fetiche. Sabe-se que aqui há marcas de uma câmera suja e pelada que, em seu
timbre naturalista, se esforça para
dizer que está presente.
Acontece que o cinema folhetinesco é a substância deste, o do
realismo cru. O cinema radical,
um "novo cinema", versa, então,
sobre um folhetim de segunda. A
ficção como fetiche vai dar forma
ao fetiche da realidade.
"Filmes ruins"
Dois "filmes ruins", e deles surge uma reflexão sobre a imagem.
Parte-se de um tempo, o de hoje,
no qual, segundo "Jogo de Sedução", a imagem e a experiência
humana, mesmo a afetiva, não
têm mais tanto para onde ir. Ambas, imagem e experiência, são reconfiguradas todo dia. Uma se
funde à outra, vide "reality
shows", até esses já em desgaste,
metamorfoseados a cada estação
de mercado.
Daí que, dentro do filme, os registros (gravados, fotografados)
são um tipo de droga, não da alucinação ou da perpetuação da
memória. Antes, da reinvenção
das sensações. "Jogo de Sedução",
o pacote completo, digamos, comenta tudo isso com ironia. Curiosamente, este filme "por inteiro" simula o uso de outros itens, o
próprio roteiro -o contar a historia- e a montagem, como fetiches de criação.
Não por acaso, o tema principal
aqui é ser deus, aquele que pode
supervisionar, com lentes, os passos, fabricar experiências e imagens e impor desígnios. Nisso se
inclui, até com algum sarcasmo, o
próprio Parkhill.
Talvez o diretor, que só tinha
feito um episódio de uma série
para TV, não faça mais nada de
interesse. Este é, porém, um filme
de roteirista que, esperto, sabe
manipular o que há de blefe e artificial nas imagens.
Jogo de Sedução
Dot the I
Produção: Reino Unido/ Espanha, 2003
De: Matthew Parkhill
Com: Gael García Bernal, Natalia
Verbeke, James d'Arcy
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Market Place Playarte, Sala UOL
de Cinema e circuito
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