São Paulo, domingo, 16 de julho de 2006

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Darlene Glória volta ao cinema como cafetina

Musa de "Toda Nudez Será Castigada" (73) está em longa sobre exploração sexual

"Julgo, absolvo ou condeno os personagens", diz atriz, que fez hiato na carreira ao se tornar cristã; "Tive medo de que não me aceitassem"

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A TERESÓPOLIS (RJ)

A atriz Darlene Glória fez história no cinema brasileiro no papel da prostituta Geni, de "Toda Nudez Será Castigada" (1973, Arnaldo Jabor).
"Eu estava no auge", diz, não sem razão. Darlene tornou-se uma das mais cobiçadas mulheres brasileiras, aos 27 anos de idade. "Naquela época, Balzac é que mandava", afirma.
Balzac e a sedução das mulheres na fronteira dos 30 saíram de moda, como constata Vera, personagem que Darlene encarna agora, no longa-metragem inédito "Anjos do Sol", de Rudi Lagemann, que estréia no mês que vem e a que a Folha assistiu na semana passada.
Vera é uma cafetina carioca que atravessa a vida da protagonista Maria (Fernanda Carvalho), garota submetida à prostituição aos 12 anos de idade por uma rede de tráfico e exploração de mulheres que envolve desde políticos ricos a garimpeiros pés-de-chinelo.

Alerta
Darlene diz que aceitou o papel porque, a partir da leitura do roteiro, achou que o filme seria "muito oportuno, um alerta, uma denúncia".
Quando encontrou no set o diretor estreante Lagemann, a atriz teve a impressão de estar diante de um cineasta ligeiramente intimidado. "É por causa daquela frase infeliz", pensou, voltando no tempo até a época de "Toda Nudez..." e de sua declaração de máxima autoconfiança: "Eu dirijo os diretores", dizia Darlene.
Não era totalmente verdade. "Mas eu adorava chocar, mesmo que, para isso, tivesse que dizer coisas em que não acreditava", lembra a atriz.
Para provar a Lagemann que os tempos (também para Darlene Glória) hoje são outros, ela pediu ao diretor indicações claras do que ele queria.
Lagemann mencionou que gostaria que Vera mascasse chicletes. Darlene compreendeu a indicação: "É esculacho o que ele quer. Mesmo a mulher mais elegante, quando masca chicletes, fica vulgar."
E a Vera de Darlene Glória é toda vulgaridade e esculacho, numa interpretação em que a atriz ressalta o caráter da personagem. "Ela é horrorosa".
Diferentemente da maioria das atrizes, Darlene diz que, hoje, não sofre por suas personagens nem se furta de julgar suas ações. "Julgo sim. E condeno ou absolvo, quando for o caso. Não tenho que entender as razões da Vera, achá-la boazinha. O problema do ator é transmitir", afirma a atriz.
Interpretar sem se confundir com o papel é uma característica recente na carreira de Darlene Glória, que fez um parêntese na vida de atriz quando se tornou evangélica, no fim dos 70.
"Eu tinha vontade de voltar [a atuar], mas me dava pânico, medo de que as pessoas não entendessem, não aceitassem. Naquela época eu ainda queria agradar a todo mundo", diz.

Recomeço
A volta à cena do cinema é um entre muitos pontos zero na vida de Darlene Glória. "Tenho começado minha vida muitas vezes", afirma. Um dos recomeços foi nos EUA, onde Darlene acumulou as funções de missionária evangélica e faxineira em casas abastadas.
"Nunca sofri preconceito lá. Também, eu chegava para trabalhar com meu carrinho Nissan e meu casaco de peles, já que fazia muito frio", diz.
Enquanto viveu nos Estados Unidos, de onde voltou "há uns cinco anos", Darlene diz que a idéia de retornar ao Brasil "era o maior pesadelo". No tempo lá, ela tentou "curar a dor-de-cotovelo" pela separação do marido, um pastor evangélico com quem ficou casada durante 14 anos, até 1989.
A dor-de-cotovelo permanece. "A separação não estava no meu vocabulário", diz. Mas a idéia de voltar ao Brasil tornou-se atraente quando ela recebeu o convite de outro pastor para atuar "num filme meio gospel". O projeto nunca saiu do papel, mas Darlene veio, ficou e se aproximou outra vez do cinema e da TV, mesmo que nem todos os namoros tenham dado em casamento.

Conforto
"Não fechei com [a série de TV] "Mandrake" por dinheiro. Eles me ofereceram pouco. Tenho meu conforto aqui. Não preciso sair à toa", diz.
Na casa com vista para o lago Comary, em Teresópolis, onde vive, Darlene divide seus dias entre pintar e contar memórias ao computador. "Escrevi sete livros", contabiliza. "Foi uma compulsão. Uma necessidade de vomitar um pouco tantos momentos que vivi."
Quando folheia a própria memória, Darlene Glória tem a certeza de que "uma atriz muito bela nunca sabe por que um homem está com ela"; recorda que, no início da carreira como atriz, "o difícil era segurar os homens, principalmente os diretores, porque todo mundo queria dar uma beliscadinha".
Lembra que tentou ser cantora aos 14 anos, quando trombava com o então também desconhecido Roberto Carlos nos corredores da rádio ZYL9, em Cachoeiro do Itapemirim.
Abandonou definitivamente a idéia anos mais tarde, depois de ter sido ultrapassada por Maysa, com quem coincidia no repertório, e por Maria Bethânia, que despontou justamente quando Darlene tentava novamente lançar-se como cantora. "As duas me atrapalharam", diz, dando risada.
Nas lembranças, descobre também que uma musa sempre sucede outra. "Sou dez anos mais jovem do que a Norma Bengell. Quando eu estava no auge, apareceu a Vera Fischer." Mas acha que, "para quem tem talento, sempre há trabalho".
De tanto lembrar, Darlene conclui que "é um ato de graça esquecer alguém". Refere-se ao ex-marido, por quem diz ter chorado todos os dias, de três seguidos anos. Tempo passado.


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