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"Fui salva por um Libertine no meio da noite de Liverpool"
CLARAH AVERBUCK
ESPECIAL PARA A FOLHA
No dia 28 de agosto de 2001, depois de ver um show maravilhoso
dos Strokes em Liverpool, o primeiro depois do lançamento do
"Is This It" -Deus, faz muito
tempo-, me vi na rua, sem muito dinheiro e sem a opção de pegar um trem de volta para Londres até as 6 da manhã. Enquanto
eu resmungava, chegou esse moço bonito (como todos os ingleses) e me salvou dizendo "let's go
to uncle Phil's house", como se
fosse uma coisa supernormal ficar indo para casas de Uncle Phils
por aí. Perguntei quem diabos era
uncle Phil. Ele apontou para outro
menino, que estava acompanhado de uma garota muito simpática, e disse "his Uncle Phil". Eu não
tinha exatamente uma opção, e,
depois de emprestar minha camiseta onde se lia "bad kitty" para o
moço bonito que tremia de frio,
pegamos um táxi e fomos para a
casa do uncle Phil ("Quando ele
abrir a porta, todo mundo grita
"UNCLE PHIL" e o abraça, OK?",
disse Peter, tentando amenizar o
fato de que eram três da manhã e
que fazia dois anos que ele não via
o uncle Phil), um senhor careca e
bonachão com um sotaque fortíssimo de Liverpool. Eu mal entendia o que ele dizia. Eles todos
eram muito legais, especialmente
Francesca, a mulher de Peter, que
era o sobrinho do uncle Phil. Nos
divertimos horrores, fomos ver os
cavalos (eu não queria ver os malditos cavalos, estava frio e eu estava cansada e emocionada, mas
encheram o saco) e conversamos
muito e dormimos espalhados
pela sala e passeamos em Liverpool no outro dia e voltamos para
Londres à noite. Na verdade, voltamos com certa dificuldade, porque eles não tinham bilhetes de
trem e nós fomos expulsos pelo
homem rude. Acabei resolvendo
o problema com a lábia brasileira
que os ingleses nem sonham em
ter, e os três ficaram muito felizes,
e eu também fiquei muito feliz
por conseguir ajudar, poxa, eles
me salvaram de ficar no meio da
rua abandonada sozinha no frio e
me levaram para uma casa quentinha. Chegando em Londres, eu
não tinha para onde ir e não tinha
mais nenhum dinheiro. De novo
eles me salvaram: Peter e Francesca me abrigaram, mas só por
aquela noite, porque estavam sendo despejados. Eu queria ajudar,
mas não deu. Então, depois de
dois dias inteiros juntos, nos separamos. Fui embora enquanto
eles encaixotavam coisas. Triste.
Tentei mandar e-mails para Francesca, mas acho que ela não é
muito nerd ou simplesmente não
ficou a fim de responder. De qualquer forma, tenho uma foto dela
na parede do meu quarto. Foi um
dos dias mais legais da minha viagem para a Inglaterra.
Um detalhe: Peter e Carl tinham
uma banda, e Peter nunca parava
de dizer que eles eram melhores
do que os Strokes e que, se eu fiquei emocionada com aquele
show de Liverpool, deveria ouvir
a demo deles. Oquei, eu disse. Me
mandem. Estou esperando até
hoje, mas também, agora não precisar mais. Agora eu já ouvi, droga. O nome da banda é Libertines.
Clarah Averbuck é autora do livro "Vida
de Gato" (editora Planeta)
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