São Paulo, segunda-feira, 16 de agosto de 2004

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"Fui salva por um Libertine no meio da noite de Liverpool"

CLARAH AVERBUCK
ESPECIAL PARA A FOLHA

No dia 28 de agosto de 2001, depois de ver um show maravilhoso dos Strokes em Liverpool, o primeiro depois do lançamento do "Is This It" -Deus, faz muito tempo-, me vi na rua, sem muito dinheiro e sem a opção de pegar um trem de volta para Londres até as 6 da manhã. Enquanto eu resmungava, chegou esse moço bonito (como todos os ingleses) e me salvou dizendo "let's go to uncle Phil's house", como se fosse uma coisa supernormal ficar indo para casas de Uncle Phils por aí. Perguntei quem diabos era uncle Phil. Ele apontou para outro menino, que estava acompanhado de uma garota muito simpática, e disse "his Uncle Phil". Eu não tinha exatamente uma opção, e, depois de emprestar minha camiseta onde se lia "bad kitty" para o moço bonito que tremia de frio, pegamos um táxi e fomos para a casa do uncle Phil ("Quando ele abrir a porta, todo mundo grita "UNCLE PHIL" e o abraça, OK?", disse Peter, tentando amenizar o fato de que eram três da manhã e que fazia dois anos que ele não via o uncle Phil), um senhor careca e bonachão com um sotaque fortíssimo de Liverpool. Eu mal entendia o que ele dizia. Eles todos eram muito legais, especialmente Francesca, a mulher de Peter, que era o sobrinho do uncle Phil. Nos divertimos horrores, fomos ver os cavalos (eu não queria ver os malditos cavalos, estava frio e eu estava cansada e emocionada, mas encheram o saco) e conversamos muito e dormimos espalhados pela sala e passeamos em Liverpool no outro dia e voltamos para Londres à noite. Na verdade, voltamos com certa dificuldade, porque eles não tinham bilhetes de trem e nós fomos expulsos pelo homem rude. Acabei resolvendo o problema com a lábia brasileira que os ingleses nem sonham em ter, e os três ficaram muito felizes, e eu também fiquei muito feliz por conseguir ajudar, poxa, eles me salvaram de ficar no meio da rua abandonada sozinha no frio e me levaram para uma casa quentinha. Chegando em Londres, eu não tinha para onde ir e não tinha mais nenhum dinheiro. De novo eles me salvaram: Peter e Francesca me abrigaram, mas só por aquela noite, porque estavam sendo despejados. Eu queria ajudar, mas não deu. Então, depois de dois dias inteiros juntos, nos separamos. Fui embora enquanto eles encaixotavam coisas. Triste. Tentei mandar e-mails para Francesca, mas acho que ela não é muito nerd ou simplesmente não ficou a fim de responder. De qualquer forma, tenho uma foto dela na parede do meu quarto. Foi um dos dias mais legais da minha viagem para a Inglaterra.
Um detalhe: Peter e Carl tinham uma banda, e Peter nunca parava de dizer que eles eram melhores do que os Strokes e que, se eu fiquei emocionada com aquele show de Liverpool, deveria ouvir a demo deles. Oquei, eu disse. Me mandem. Estou esperando até hoje, mas também, agora não precisar mais. Agora eu já ouvi, droga. O nome da banda é Libertines.


Clarah Averbuck é autora do livro "Vida de Gato" (editora Planeta)



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