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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Idéias perigosas
Algumas questões, mesmo que formuladas com base em argumentos e evidências, podem criar pânico moral
A HISTÓRIA da ciência está repleta de descobertas que foram consideradas social, moral e emocionalmente perigosas em
seu tempo; as revoluções copérnica
e darwinista são as mais óbvias. Qual
é a sua idéia perigosa? Uma idéia sobre a qual você tem pensado (não
necessariamente criada por você)
que é perigosa, não por ser pretensamente falsa, mas porque pode ser
verdadeira?
Essa questão, divertida e provocativa, foi proposta pelo site norte-americano Edge (www.edge.org) a
seus afiliados -uma comunidade
de cientistas. A Edge Foundation
foi criada pelo empreendedor e
agitador cultural John Brockman,
que conheceu Andy Warhol e John
Cage, leu MacLuhan, interessou-se
por cibernética e internet, é autor
de diversos livros sobre temas
científicos e se tornou o agente literário de nove entre dez estrelas
editoriais da ciência nos EUA.
Brockman, em 1991, escrevia que
a formação marxista, freudiana e
modernista do intelectual letrado
do pós-guerra já não bastava para
atingir os novos horizontes do conhecimento no limiar do século 21.
Esse tipo de intelectual, em sua visão, tornava-se cada vez "mais reacionário".
A cada ano, o Edge apresenta
uma pergunta. A do ano passado
foi a que transcrevi acima. A deste
ano quer saber sobre o que você é
otimista.
A pergunta sobre idéias perigosas foi sugerida pelo psicólogo Steven Pinker, que ao formulá-la não
pensava em coisas como projetar
uma nova arma química ou atirar
LSD na caixa d'água da Casa Branca, ambas perigosíssimas -mas em
questões, baseadas em argumentos
e evidências, que podem nos desnortear e até levar a um estado de
pânico moral.
Num texto sobre o assunto, ele
listou várias dessas idéias perigosas que vieram à tona nos últimos
anos. Por exemplo: as mulheres,
em média, têm um perfil de aptidões e emoções diferente do dos
homens? Os homens têm uma tendência inata ao estupro? A queda
da taxa de criminalidade dos EUA
nos anos 90 tem a ver com o fato de
que mulheres pobres abortaram,
dez anos antes, crianças que teriam
propensão à violência? A inteligência média dos países ocidentais declina porque as pessoas mais burras têm mais filhos do que as mais
inteligentes?
São proposições que podem causar desconforto não por serem evidentemente falsas, mas porque
afrontam uma moral coletiva.
Se ainda hoje a religião desempenha, nesse terreno, um papel policiador, há outras instâncias que
vêm em seu concurso -toda uma
rede de intimidações morais e intelectuais (a ideologia do "politicamente correto" é um exemplo relativamente recente) exerce sua força na escola, na mídia, nos grupos
de amizade, para que idéias perigosas sejam recalcadas ou postas de
lado.
Dentre as respostas enviadas ao
Edge, há muitas interessantes, outras inquietantes e algumas que
soam exibicionistas ou bizarras.
Ainda assim, é fascinante conhecê-las. Ao menos para lembrar que o
mundo gira -e que muitas das
idéias e convenções tidas como
verdadeiras no presente foram tabus no passado e talvez, no futuro,
venham a se revelar novas quimeras.
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