São Paulo, quinta-feira, 16 de agosto de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Idéias perigosas

Algumas questões, mesmo que formuladas com base em argumentos e evidências, podem criar pânico moral

A HISTÓRIA da ciência está repleta de descobertas que foram consideradas social, moral e emocionalmente perigosas em seu tempo; as revoluções copérnica e darwinista são as mais óbvias. Qual é a sua idéia perigosa? Uma idéia sobre a qual você tem pensado (não necessariamente criada por você) que é perigosa, não por ser pretensamente falsa, mas porque pode ser verdadeira?
Essa questão, divertida e provocativa, foi proposta pelo site norte-americano Edge (www.edge.org) a seus afiliados -uma comunidade de cientistas. A Edge Foundation foi criada pelo empreendedor e agitador cultural John Brockman, que conheceu Andy Warhol e John Cage, leu MacLuhan, interessou-se por cibernética e internet, é autor de diversos livros sobre temas científicos e se tornou o agente literário de nove entre dez estrelas editoriais da ciência nos EUA.
Brockman, em 1991, escrevia que a formação marxista, freudiana e modernista do intelectual letrado do pós-guerra já não bastava para atingir os novos horizontes do conhecimento no limiar do século 21. Esse tipo de intelectual, em sua visão, tornava-se cada vez "mais reacionário".
A cada ano, o Edge apresenta uma pergunta. A do ano passado foi a que transcrevi acima. A deste ano quer saber sobre o que você é otimista.
A pergunta sobre idéias perigosas foi sugerida pelo psicólogo Steven Pinker, que ao formulá-la não pensava em coisas como projetar uma nova arma química ou atirar LSD na caixa d'água da Casa Branca, ambas perigosíssimas -mas em questões, baseadas em argumentos e evidências, que podem nos desnortear e até levar a um estado de pânico moral.
Num texto sobre o assunto, ele listou várias dessas idéias perigosas que vieram à tona nos últimos anos. Por exemplo: as mulheres, em média, têm um perfil de aptidões e emoções diferente do dos homens? Os homens têm uma tendência inata ao estupro? A queda da taxa de criminalidade dos EUA nos anos 90 tem a ver com o fato de que mulheres pobres abortaram, dez anos antes, crianças que teriam propensão à violência? A inteligência média dos países ocidentais declina porque as pessoas mais burras têm mais filhos do que as mais inteligentes?
São proposições que podem causar desconforto não por serem evidentemente falsas, mas porque afrontam uma moral coletiva.
Se ainda hoje a religião desempenha, nesse terreno, um papel policiador, há outras instâncias que vêm em seu concurso -toda uma rede de intimidações morais e intelectuais (a ideologia do "politicamente correto" é um exemplo relativamente recente) exerce sua força na escola, na mídia, nos grupos de amizade, para que idéias perigosas sejam recalcadas ou postas de lado.
Dentre as respostas enviadas ao Edge, há muitas interessantes, outras inquietantes e algumas que soam exibicionistas ou bizarras. Ainda assim, é fascinante conhecê-las. Ao menos para lembrar que o mundo gira -e que muitas das idéias e convenções tidas como verdadeiras no presente foram tabus no passado e talvez, no futuro, venham a se revelar novas quimeras.


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