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Crítica/teatro
Aos 49, Oficina vive intensamente
"Vento Forte para um Papagaio Subir" e "Santidade" são encenadas até domingo pelo grupo de Zé Celso
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Preparando-se para o
marco dos 50 anos -raro, em qualquer lugar do
mundo-, o Oficina encena
duas obras de juventude. Para
quem já espera, com deleite ou
aversão, a longa jornada iniciática, uma surpresa: são peças
curtas, com menos de duas horas, que partem de um recorte
realista, com elenco reduzido.
Não se trata de uma capitulação, mas de um ajuste em sintonia fina. "Santidade", segunda
peça do projeto Encenação da
Dramaturgia de José Vicente,
que já havia começado com "O
Assalto", em 2004, retoma agora com a primeira peça de um
autor que passou tempo demais sob o rótulo de maldito, e
que a minuciosa direção de
Marcelo Drummond torna
atemporal e universal.
Escrita aos 22 anos, com forte carga autobiográfica, narra o
reencontro de um ex-seminarista com seu irmão, já ordenado, que se surpreende ao encontrá-lo vivendo com outro
homem. Não há nada de apelativo nessa confissão de peito
aberto, que se tinge mais de solidão do que deboche.
Apesar de uma marcante encenação de Fauzi Arap em
1997, que revelou para os palcos paulistas Mario Bortolotto,
também ex-seminarista, ainda
há referências demais a um episódio no qual um general censurou o texto, em 1967. Livre
desses tempos patéticos, 40
anos depois, Drummond pode
reinstaurar José Vicente no seu
verdadeiro contexto.
Fatia de vida quase em tempo real, exige uma interpretação de nuances realistas, e o diretor volta a contar com a sutileza de Haroldo Costa Ferrari,
em contraste com uma maior
ingenuidade de Fransérgio
Araújo, o que serve bem aos
personagens. Mas sem dúvida o
grande atrativo é esse extraordinário ator José Celso Martinez Corrêa, que sabe trazer para si e para o agora cada conflito
do texto. Quando o personagem Ivo, amante do ex-seminarista Artur, se pergunta o que
será da sua grife de alta costura
quando se for, Zé faz um gesto
que engloba o Oficina e faz o espaço se tornar protagonista.
De fato, nada experimentado
ali no monumental "Os Sertões" se perdeu nesse recorte:
não há paredes imaginárias, e o
público é convidado a comungar da preguiça da cama dominical, centro da trama.
Mas é em "Vento Forte para
um Papagaio Subir" que José
Celso se dá por inteiro. Peça de
ruptura, que em 1958 marcava
o afastamento com a Araraquara natal, esse seu primeiro texto já prenuncia a força que o artista teria pelas décadas a vir.
Sua ingenuidade, revisitada por
ocasião de um emocionante
reatamento com a cidade, acaba ganhando a força de um happening, e agora o universo a ser
evocado é o de "Morangos Silvestres", de Bergman.
De fato, ao piano, com um
Kantor enternecido, Zé Celso
se revê adolescente, sob os traços do esforçado Lucas Weglinski. Para não desmentir a
ousadia narrada, rompe-se
aqui a separação entre palco e
platéia, que é convidada a encarnar as várias personalidades
evocadas, sempre de maneira
respeitosa e cúmplice.
Sendo assim, cada espetáculo
é diferente do outro, podendo
"acontecer" ou não. Na última
apresentação, no Festival de
Teatro de São José do Rio Preto, contando com o ilustre diretor russo Vassiliev na platéia,
que não se acanhou com a comunhão, foi um momento
inesquecível. Ao mesmo tempo
retorno às raízes e eterno reescrever dos sonhos de juventude, o Oficina vive dias intensos.
SANTIDADE
Quando: sáb e dom., às 21h
Onde: Teatro Oficina (r. Jaceguai, 520,
tel. 0/xx/11/3106.2818)
Quanto: R$ 20
Avaliação: ótimo
VENTO FORTE PARA UM PAPAGAIO SUBIR
Quando: hoje e amanhã, às 21h; sáb. e dom., às 19h
Onde: Teatro Oficina
Quanto: R$ 20
Avaliação: ótimo
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