São Paulo, quinta-feira, 16 de agosto de 2007

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Crítica/teatro

Aos 49, Oficina vive intensamente

"Vento Forte para um Papagaio Subir" e "Santidade" são encenadas até domingo pelo grupo de Zé Celso

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Preparando-se para o marco dos 50 anos -raro, em qualquer lugar do mundo-, o Oficina encena duas obras de juventude. Para quem já espera, com deleite ou aversão, a longa jornada iniciática, uma surpresa: são peças curtas, com menos de duas horas, que partem de um recorte realista, com elenco reduzido.
Não se trata de uma capitulação, mas de um ajuste em sintonia fina. "Santidade", segunda peça do projeto Encenação da Dramaturgia de José Vicente, que já havia começado com "O Assalto", em 2004, retoma agora com a primeira peça de um autor que passou tempo demais sob o rótulo de maldito, e que a minuciosa direção de Marcelo Drummond torna atemporal e universal.
Escrita aos 22 anos, com forte carga autobiográfica, narra o reencontro de um ex-seminarista com seu irmão, já ordenado, que se surpreende ao encontrá-lo vivendo com outro homem. Não há nada de apelativo nessa confissão de peito aberto, que se tinge mais de solidão do que deboche.
Apesar de uma marcante encenação de Fauzi Arap em 1997, que revelou para os palcos paulistas Mario Bortolotto, também ex-seminarista, ainda há referências demais a um episódio no qual um general censurou o texto, em 1967. Livre desses tempos patéticos, 40 anos depois, Drummond pode reinstaurar José Vicente no seu verdadeiro contexto.
Fatia de vida quase em tempo real, exige uma interpretação de nuances realistas, e o diretor volta a contar com a sutileza de Haroldo Costa Ferrari, em contraste com uma maior ingenuidade de Fransérgio Araújo, o que serve bem aos personagens. Mas sem dúvida o grande atrativo é esse extraordinário ator José Celso Martinez Corrêa, que sabe trazer para si e para o agora cada conflito do texto. Quando o personagem Ivo, amante do ex-seminarista Artur, se pergunta o que será da sua grife de alta costura quando se for, Zé faz um gesto que engloba o Oficina e faz o espaço se tornar protagonista.
De fato, nada experimentado ali no monumental "Os Sertões" se perdeu nesse recorte: não há paredes imaginárias, e o público é convidado a comungar da preguiça da cama dominical, centro da trama. Mas é em "Vento Forte para um Papagaio Subir" que José Celso se dá por inteiro. Peça de ruptura, que em 1958 marcava o afastamento com a Araraquara natal, esse seu primeiro texto já prenuncia a força que o artista teria pelas décadas a vir.
Sua ingenuidade, revisitada por ocasião de um emocionante reatamento com a cidade, acaba ganhando a força de um happening, e agora o universo a ser evocado é o de "Morangos Silvestres", de Bergman. De fato, ao piano, com um Kantor enternecido, Zé Celso se revê adolescente, sob os traços do esforçado Lucas Weglinski. Para não desmentir a ousadia narrada, rompe-se aqui a separação entre palco e platéia, que é convidada a encarnar as várias personalidades evocadas, sempre de maneira respeitosa e cúmplice.
Sendo assim, cada espetáculo é diferente do outro, podendo "acontecer" ou não. Na última apresentação, no Festival de Teatro de São José do Rio Preto, contando com o ilustre diretor russo Vassiliev na platéia, que não se acanhou com a comunhão, foi um momento inesquecível. Ao mesmo tempo retorno às raízes e eterno reescrever dos sonhos de juventude, o Oficina vive dias intensos.


SANTIDADE
Quando:
sáb e dom., às 21h
Onde: Teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, tel. 0/xx/11/3106.2818)
Quanto: R$ 20
Avaliação: ótimo

VENTO FORTE PARA UM PAPAGAIO SUBIR
Quando:
hoje e amanhã, às 21h; sáb. e dom., às 19h
Onde: Teatro Oficina
Quanto: R$ 20
Avaliação: ótimo


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